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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Revista Vozes Data de Publicação: 24/06/1974 Autor: João Luís van Tilburg
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TEXTO E CONTEXTO
Ao se iniciar um estudo que objetiva analisar a telenovela dentro da perspectiva semiológica de Texto e Contexto, impõe-se a necessidade de se delimitar o assunto a ser tratado, pois, uma telenovela é um meio rico em expressões humanas e, ao se falar em telenovela, na sua globalidade, esta riqueza se torna abundante. A delimitação imposta pela própria riqueza do assunto poderá fazer com que uma análise de um só aspecto ou elemento imponha conclusões desproporcionais e alheias à vontade do estudioso. O presente estudo não escapa a esta constatação. Um meio de comunicação, uma vez que utiliza as mais variadas expressões do homem, não facilita um estudo de um detalhe, embora um estudo deste gênero se imponha devido a complexibilidade do assunto.
Após esta observação, sentimo-nos justificados para descrever o objeto deste estudo. Propomo-nos analisar uma forma de veiculação de mensagens culturais, ou seja, o estereotipo e, mais especificamente, o estereotipo tal qual ele aparece nas telenovelas. Fazemos, portanto, uma abstração da parte sonora da telenovela, embora sejamos obrigados, às vezes, a recorrer a esta parte.
A fim de poder realizar este estudo, valemo-nos de dados adquiridos durante a nossa assistência a todas as telenovelas mencionadas neste estudo, embora nem a todas integralmente, e a dados secundários que obtivemos nas revistas "Amiga" e "Veja", e nos jornais "O Globo" e "O Jornal do Brasil".
Resta-nos justificar a presença exclusiva de telenovelas produzidas pela TV Globo. Devido ao enfoque sociológico dado ao presente estudo, a audiência obtém uma importância preponderante na descrição e na análise de telenovelas. Conforme os dados do IBOPE, as novelas produzidas por esta emissora geradora atinge um maior público.
O encaminhamento deste estudo, necessariamente, deve partir de um pressuposto teórico para situar o tema dentro do enfoque apresentado. Numa segunda etapa, especificamos em termos mais precisos o que entendemos por estereótipo e, em seguida, abordaremos o objetivo deste estudo. Por fim, serão tiradas algumas conclusões.
Assim nos propomos a desenvolver o seguinte esquema:
1) Pressuposto Teórico;
2) Estereótipo e sua relação específica;
3) Estereótipo e codificação da Produção Cultural na telenovela;
4) Conclusões.
1. PRESSUPOSTO TEÓRICO
O fenômeno da telenovela, pelo qual a Televisão Brasileira se caracteriza como um meio que articula entre si as relações diversas de todas as classes e camadas sociais da população, não poderá ser compreendido fora de um contexto. É a sociedade da qual fazemos parte e na qual se explicitam as relações sociais, que é a produtora da telenovela.
O resultado desta produção poderá ser considerado como uma unidade de um conjunto maior, o que, neste estudo, chamaremos de produção cultural, pelo fato do que a sociedade não se limita a produção de telenovelas apenas. Sendo considerada uma unidade, pode-se perguntar pela função da telenovela ou mais precisamente, por sua relação específica com as demais unidades que, juntas, formam a produção cultural da sociedade.
Ao se perguntar pela função da telenovela na sociedade, necessariamente, deve-se analisar o condicionamento imposto por sua presença junto aos demais elementos culturais com os quais ela compõe o conjunto, isto é, a produção cultural na sua globalidade. Aqui se apresenta uma dificuldade. Embora teoricamente possamos denominar a telenovela de monema de um anunciado, não é possível, na prática, fazer uma abstração da sua presença no contexto. Em outras palavras, um estudo que objetiva analisar a relação específica da telenovela com as demais produções culturais da sociedade, com as quais ela forma um contexto, necessariamente deve levar em consideração que a especificidade dessa relação não está na produção, mas na veiculação, pois a produção cultural da sociedade é uma e única.
Consideramos, portanto, a produção cultural da sociedade o contexto no qual a telenovela, como texto, adquire sua relação específica, mediante a veiculação da produção, isto é, mediante o elemento que a caracteriza: o estereótipo.
2. ESTEREÓTIPO E SUA RELAÇÃO ESPECÍFICA
Aqueles elementos mediante os quais a sociedade transmite seu produto cultural, chamamos, neste estudo, estereótipo. É através destes elementos ou estereótipo, pois, que a sociedade codifica sua produção cultural, o que equivale a dizer que mediante a informação cultural se dá a formação cultural.
Devido às características de cada canal que possibilita a informação cultural, a codificação do produto cultural varia conforme estas características. Consequentemente os elementos que codificam a informação cultural mediante a televisão, e especificamente através da telenovela, que constitui o objeto deste estudo, dão a forma característica à produção cultural, isto é, apresentam a formação cultural de um modo típico. Nesta perspectiva o estereótipo ou o elemento codificador característico da telenovela, que é apenas uma das múltiplas e variadas formas de produção cultural da sociedade, adquire sua função no contexto formado com as demais unidades da formação cultural.
Desta maneira o estereótipo faz com que a telenovela expresse a informação cultural de uma forma pertinente, sem modificar a formação cultural. É esta a relação específica de estereótipo dentro da veiculação da produção cultural.
Cabe-nos agora, evidenciar estas afirmações. Propomo-nos, como método de trabalho, descrição e análise conjuntas da estereotipagem da telenovela para, num segundo momento, chegarmos a algumas conclusões.
3. ESTEREÓTIPO E CODIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO CULTURAL NA TELENOVELA
A codificação da produção cultural na telenovela mediante o estereótipo, se dá de varias formas, a saber; através de tipologia, de maneiras de apresentação e, por último, através de atribuições. (*)
Fica claro que as três formas só existem no seu inter-relacionamento e não fora dele. Contudo, para melhor proceder à descrição a análise das mesmas, recorremos a uma abstração metodológica ao tomá-las, em termos de descrição e análise separadamente.
Em seguida, após uma descrição, analisamos estas três formas a partir da sua realização concreta na telenovela.
3.1 TIPOLOGIA
Sob tipologia entendemos aqui a maneira com que a câmera apresenta ou enquadra realidades sociais tais como classes sociais, funções sociais, profissões, normas, valores, situações sociais, costumes.
Tentaremos explicitar estas realidades sociais, levando, porém, em consideração a interrelação íntima das mesmas.
3.1.1. CLASSES SOCIAIS
A estratificação social é apresentada em termos de oposição. Assim, na novela "Cavalo de Aço", a oposição quanto ao status social, isto é, quanto ao nível "alto" versus nível "baixo", se realiza mediante o desnível em relação ao "direito" à posse de terras.
O velho Max, latifundiário e também dono de indústria de madeira, é um fazendeiro muito rico, enquanto Rodrigo é ferroviário e só tem o trabalho para sobreviver. A ambição material, "comum a todo ser humano", é alcançada pelo velho fazendeiro através de roubos e crimes, ao passo que Rodrigo ambiciona as terras por um "direito natural", o direito de herança.
Constata-se que a serie de relações entre os personagens desta novela e destes com a sociedade local, mostra os problemas da Vila de Prata, o nome do lugar onde a novela se passa, uma cidadezinha igual em termos de imagem, a muitas do interior do Brasil. O deslocamento da problemática, porém, é reduzido, pois fica apenas entre a casa de Miranda, a fazenda de Max e a casa de Marta, isto é, entre aquela que tem "direito natural" à terra, aquele que possui um direito às terras, atribuído por si mesmo, e aquela que corre perigo de perder o "direito de possuir".
Na novela "O Cafona" apresenta-se a mesma oposição: focaliza-se, para um grande número de pessoas (os telespectadores) de poucas posses, conformo IBOPE, deslumbrados com a vida dos ricos, a "problemática" que aflige os considerados grã-finos que lutam para salvar ou aumentar suas posses.
Na novela "O primeiro amor" esta oposição entre as classes envolve três famílias: uma pobre, outra de classe média e outra milionária. Aqui a oposição se apresenta mediante a utilização de meios de locomoção: a família milionária tem mais do um automóvel, a família pobre anda de bicicleta e a família de classe média ou se alia à família rica e passeia pela cidade de automóvel ou motocicleta ou se opõe à classe rica e é obrigada a andar de bicicleta. Mediante desta oposição explicita-se, embora de maneira limitada, as relações sociais características de uma sociedade que é a produtora da produção cultural.
Estas relações sociais são codificadas através de uma estereotipagem visual: bens materiais que paradoxalmente são bens supérfluos. A sociedade, portanto, codifica a ascensão social mediante a aquisição de bens supérfluos, mesmo em novelas nas quais se trata de posses de terra como em "Irmãos Coragem'' e ''Cavalo de Aço". Nestas novelas, pois, o codificado se dá também em bens supérfluos, tais como uma pedra preciosa em redor da qual se centraliza a história, e a oposição entre um palacete com criados e casebres.
3.1.2. SITUAÇÃO SOCIAL
A estratificação social, estereotipada pela posição de posse de bens supérfluos ou não, apresenta-se também mediante temáticos sociais ou situações sociais que explicitam esta oposição.
A novela "O Bofe" mostra, entre outras situações, a falsa caridade cristã, comportamento de personagens típicas da alta sociedade e pessoas humildes entregues a toda sorte de crendices e ilusões.
O sucesso da novela "Bandeira Dois" se atribui ao esquema da criação de situações sociais. Assim, a história se passa no subúrbio de Ramos e é composta, em verdade, de várias: a do jogo do bicho, a das escolas de samba, a do jogador de futebol e a de uma família nordestina.
A estereotipagem de situações sociais revelam as respectivas funções sociais que se apresentam na novela "Selva de Pedra" sistematizada desta maneira:
- sujeito ou herói: Cristiano Vilhena
- objeto: o amor de Simone Marques
- emissor: a sociedade com seus valores objetivados que visam o equilíbrio e a paz mediante o cumprimento das normas do Código Social e/ou dos Dez Mandamentos, reduzidos a "não matar" e "não roubar"
- receptor: toda a população do Brasil atingida pela televisão e, mais especificamente, o telespectador que se reconhece nas normas estabelecidas pela sociedade à qual ele pertence.
- os adjuvantes, isto é, aqueles que auxiliam Cristiano: em casa, sua família; no trabalho, a secretária e o mestre Pedro; na vida particular, Simone e Laura e no julgamento, o advogado D'Avila e os telespectadores.
- os oponentes de Cristiano: Fernanda que simboliza o desequilíbrio, Miro a violência e Rosana a outra face da Simone.
Fica claro que o estereótipo depende na sua codificação de um contexto criado pela sociedade em seus valores. Na novela "Selva de Pedra" toda a narrativa da novela gira em torno da obtenção do desejo: Cristiano quer casar, depois tornar-se rico e por fim voltar ao estado original, isto é, casado, mas, se possível, mantendo a riqueza. Nesta novela, portanto, estão três elementos em jogo: a felicidade, simbolizada pelo casamento; a riqueza, simbolizada pela posse de um estaleiro e, finalmente, a prevalência da felicidade ligada a riqueza. Desta maneira, mediante a oposição felicidade e felicidade sem riqueza, criou-se uma situação social estereotipada, pois o telespectador, por fazer parte do contexto, não desejaria outra coisa a não ser a felicidade complementada pela riqueza. É esta a codificação estereotipada do equilíbrio e da paz.
3.1.3. VALORES SOCIAIS
A constatação de que a felicidade há de prevalecer sobre a riqueza, embora sem esta a felicidade não exista, nos leva a aceitação da existência de um sistema de valores sociais estereotipados. A presença obsessiva do amor nas novelas criou um sistema de valores que determina as aspirações e as relações entre os personagens das novelas.
Esta presença obsessiva, que o amor desempenha nas novelas, o estereotipa como a felicidade em redor da qual toda a narrativa se desenrola.
Assim, na novela "Cavalo de Aço", Rodrigo quer saber quem assassinou seus pais para reaver as terras que por direito de herança lhe pertencem. Para obtê-las enfrenta uma série de dificuldades, mas, como a justiça está ao seu lado, obtém no final o objeto de seus desejos: o casamento com Miranda. A posse das terras a que tem direito, é algo impossível sem a presença do amor.
Devido a esta presença estereotipada do amor, os crimes praticados durante o decorrer da novela "Selva de Pedra", por Cristiano, Simone, Fernanda, Miro e Valquíria, não podem ser julgados pela Justiça comum sob pena de seus autores serem condenados a penas bastante pesadas. Embora a Censura como representante da Sociedade, cuja produção cultural é o contexto, esteja presente, não é necessário recorrer à aplicação das práticas do processo penal, para mostrar que o crime raramente recompensa. A codificação deste valor faz com que os personagens envolvidos em delitos sejam condenados a um fim trágico.
É interessante observar que a estereotipagem dos valores sociais procura justificar-se numa base real. Porém deve-se passar por cima de certos detalhes para evitar que a história fique muito explicativa; por este motivo recorre-se a um argumento já codificado pela produção cultural: agiu-se contra a lei por estar sob ameaça de morte. Nesta perspectiva o estereótipo leva a outros e compõe um sistema estereotipado de valores sociais que canonizam um comportamento estereotipado mediante observação das normas da sociedade que produz a informação cultural. Assim, na novela "Selva do Pedra", um advogado prova que o herói da novela não agiu contra a lei. O herói, portanto, reproduz em seu comportamento fictício os valores que são caros à produtora, a sociedade, destes valores.
3.1.4. NORMAS
Na novela "Cavalo de Aço", de acordo com as normas da sociedade, Rodrigo deve se casar com alguém do seu próprio status social e econômico. Joana, a filha do rico fazendeiro Max, não poderia se apresentar nas altas rodas sociais com um ferroviário pobre. Miranda, trabalhadora braçal, combina com Rodrigo. Unem-se, no final, ambos, sem dinheiro, mas com vontade de trabalhar nas terras que lhes foram concedidas pela Justiça.
A contradição inerente à estereotipagem mostra-se talvez mais evidente na estereotipagem das normas sociais ao expressar uma realidade mais próxima aos espectadores. A sociedade, pois, não poderá permitir que sua informação e formação culturais, mediante sua produção cultural, ultrapasse os limites por ela mesma estabelecidos. Na novela "Beto Rockefeller'', a primeira "novela verdade", por criar situações sociais que se aproximam à realidade conhecida pelos telespectadores de um modo realista em termos de imagem, é uma prova desta constatação.
Esta novela teve a intenção de mostrar que as "verdades" não são tão verdades assim, partindo da afirmação de que os meios de comunicação de massa estabelecem alguns padrões como definitivos. Para tal objetivo criou-se o anti-herói Beto Rockefeller, um personagem caracterizado pela insegurança, pela busca de auto-afirmação e pela necessidade de estima. Por, aparentemente, não caber dentro dos velhos esquemas de suportar verdades, Beto Rockefeller foi desmascarado pela própria sociedade que o produziu. No último capítulo da novela, Otávio diz: "Beto, você é um moleque, mentiroso, sem-vergonha, de quem todos já estão cansados". Assim, Beto perde Otávio como amigo, Manuela como amante potencial e Neide, sua ex-amante, fica com um jornalista carioca. Carlucho torna-se namorado oficial de Lu, que ouviu Beto confessar que ele não a amava.
Desta maneira o contexto codificou a primeira "novela verdade" em: "o bem tem que vencer o mal", justificando as normas existentes.
3.1.5. COSTUMES
Com a novela ''Beto Rockefeller'' a telenovela iniciou uma nova etapa na sua história. Isto se fez sentir também pela introdução de elementos psicossociais. Estes elementos, porém, embora novos na novela, revelam a origem do seu enunciado, ou seja, a origem da produção cultural. O antagonismo da "novela verdade", pois, de um lado, estimula o senso ético dos telespectadores, mas de outro, o tortura. Assim, na novela "Irmãos Coragem", que une, em termos de imagem, Brasil rural ao Brasil urbano, o mecanismo de sobrevivência, numa sociedade altamente competitiva, pode provocar, em hipótese, graves deformações nos telespectadores e pode criar a necessidade de subir, isto é, incentiva a ascensão social.
O antagonismo da "novela verdade" se apresentou pela primeira vez, na nossa opinião, na novela "Selva de Pedra". Esta novela trabalhou com dois fatores: atuou em cima de dúvidas dos telespectadores e as lançou dentro dos personagens e das nuanças da trama. Isto se tornou possível pelo fato de que a sociedade não se apresenta mais como algo estável ou, melhor dito, com mudanças muito lentas, pois devido ao desenvolvimento da Tecnologia e da Economia, e às conquistas da Psicologia, os padrões para julgar qualquer ato humano foram-se transformando. Antigamente, pois, os telespectadores adquiriam valores herdados de tradição familiar, escolar e religiosa e com eles atravessavam a vida. Havia respostas para quase tudo, respostas estas que se constituíam em costumes que por sua vez, se institucionalizavam e norteavam não só o comportamento dos telespectadores como também seu julgamento moral.
Embora a autora desta novela manipulasse este fenômeno, que resultou numa mudança no comportamento dos personagens, a "novela verdade" não causou uma verdadeira modificação estrutural nos costumes, pois os telespectadores foram condicionados ao mesmo esquema de antes: o fim feliz.
A atuação sobre as dúvidas dos telespectadores e sua manipulação já por si mesma se constituem uma codificação do produto cultural, senão a aceitação de uma novela como "Fogo sobre a Terra" se torna inexplicável. Nesta novela, pois, a aberração, em termos visuais, ultrapassa os limites da credibilidade física: máquinas de terraplanagem usadas para visualizar a escavação de um canal.
3.1.6. PROFISSÕES
Como último elemento da Tipologia de estereótipos, apontamos as profissões e mais especificamente a profissão do padre, do professor, do médico e do psicólogo que ultimamente ocupa a imagem. Estas profissões se caracterizam na sua estereotipagem como referência a algo respeitável, ligado de uma ou outra forma à vida emocional e afetiva dos telespectadores. É, portanto, uma expressão axiológica da produtora do produto cultural. Nesta expressão axiológica o padre é visto como representante de Deus e como tal defende os bons costumes e a tradição, em resume, a autoridade; o professor simbolizando a sabedoria, representa os valores e normas da conduta; o médico simboliza o poder sobre a vida e a morte, ou seja, a última esperança e o psicólogo, embora não tendo conquistado um lugar definitivo, tende a representar a reconquista de um equilíbrio emocional numa sociedade caracterizada pela hipertensão criada pela vida moderna. Evidencia-se que a estereotipagem destas profissões já não é mais apenas codificação da produção cultural, mas também produtos da sociedade, pois já representam a própria sociedade por serem defensores daquilo que é caro aos telespectadores.
3.2. MANEIRAS DE APRESENTAÇÃO
A articulação entre as formas que compõem a codificação de uma telenovela, faz com que uma descrição e análise das maneiras de apresentação dos estereótipos separadas das outras formas se tornem, numa certa medida, deformadas. Ademais, a extensão, no tempo, às falas, mediante mais de duas centenas de capítulos, dificulta também a análise das telenovelas que não podem ser consideradas unidades nas maneiras de apresentação. A novela "O Cafona", por exemplo, possui as quatro maneiras, a saber: a humorística, a dramática, a sátira e a caricaturista. Além disso, as fronteiras entre estas maneiras são vagas e, conforme o horário da novela, até se deslocam, pois, devido ao contexto criado pela censura, em virtude da conveniência de uma determinada novela para um determinado horário, estas fronteiras entre a especificidade de várias maneiras de apresentação se tornam nebulosas. Com estas observações preliminares, descrevemos e analisamos estas maneiras de apresentação como sendo modos de texto devido ao contexto.
3.2.1. CARICATURA
Neste estudo entendemos por caricatura a saliência de poucos elementos que, com outros elementos minimizados, forma uma unidade, a fim de evidenciar um fenômeno de qualquer ordem. No caso da telenovela este fenômeno representa uma realidade social apresentada fora de suas proporções reais.
Nesta perspectiva, a novela "O Primeiro Amor" se enquadra na maneira estabelecida caricaturística de apresentação devida a forma com que aborda uma realidade social, uma cidadezinha no interior do Brasil. Nesta cidade, com o nome sugestivo "Nova Esperança'', a personagem Maria do Carmo, dona de um terreno onde existe um colégio é uma mulher de muitas posses. Esse colégio pertence a ela e a seu ex-noivo. De volta à "Nova esperança", depois de um longo tempo na capital, Maria do Carmo faz todo o possível para acabar com o colégio, lutando com o outro proprietário, seu ex-noivo. Dona Maria do Carmo casada com Vicente, um marido que prefere obedecer a discutir com a mulher e que se aproxima da filha, pois não sente afinidade com a esposa nem com o filho, que gosta de motocicletas e "embalos". Um outro personagem, chamado Hélio, é pobre e se apaixona pela filha da dona Maria do Carmo. A história desse amor é um dos pontos mais focalizados desta novela, ao lado da atuação do Shazam, um bom sujeito, que conserta as bicicletas da cidade e que quer estudar, mas não tem recursos, pois está pagando os estudos de seu irmão Hélio. Amores quase impossíveis, disputas entre donos do colégio, levam ao resultado já previsto pelos espectadores desde o primeiro capítulo. Na medida, porém, em que a novela avança, complica-se a maneira de solucionar o resultado previsto, o que forma a intriga desta novela.
A maneira de apresentação estereotipada desta novela revela a articulação entre texto e contexto: durante um proporcionalmente grande número de capítulos um problema se acumula com vários outros de menor importância, tornando-se, contudo, pertinentes, no decorrer da história, ao problema central que, em seguida, com poucas cenas, é solucionado. A acumulação do problema central com aqueles de menor importância, possibilita os telespectadores reconhecerem, num segundo momento, como única a solução apresentada para resolução do problema. Nesta novela, "O Primeiro Amor", o professor Luciano não vê com bons olhos o flirt da sua filha Baby com Rafa, o filho da Dona Maria do Carmo. Ele resolveu oficializar o namoro num gesto sábio. O flirt acaba de uma vez para sempre.
Compreende-se, então, que esta maneira caricaturista de apresentação como forma de contexto, condiciona o texto, isto é, numa primeira etapa a produção cultural fornece as informações culturais, para, em seguida se tornar formação cultural mediante a forma estereotipada que é a caricatura.
O mesmo não se pode dizer das outras maneiras estereotipadas da apresentação.
3.2.2, HUMORÍSTICA
A utilização dos temas sociais na telenovela reclama por uma abordagem que substitui a seriedade emocional, sob pena de se tornar um melodrama. Ao mesmo tempo, a exigência dos telespectadores obriga as estações geradoras de telenovela a apresentar, em termos de imagem, um grau de credibilidade física. Estes dois fatores criaram, na nossa opinião, a abordagem humorística pela qual entendemos uma transplantação de fatos reais para o terreno fictício. Assim na novela "O Bem amado", que se caracteriza por uma abordagem humorística, vemos como o caso norte americano Watergate e a gravação de confissões na Itália para obter informações com fins considerados científicos, são transferidos para a cidade baiana de Sucupira, onde o prefeito coloca um microfone no confessionário para poder desmoralizar a oposição política. Esta aproximação de uma realidade social, codifica uma informação cultural a tal ponto, que os fatos reais perdem sua importância e por conseguinte torna-se uma formação cultural.
3.2.3. SÁTIRA
Uma outra forma estereotipada é a sátira. Mediante a sátira amplia-se situações reais, colocando-as fora do seu contexto maior, sugerindo desta maneira, a não existência do problema real.
A novela "O Bofe" é a codificação deste gênero de estereotipagem: o mecânico viúvo do subúrbio carioca está a procura de uma moça rica para se tornar alguém na vida. Encontra Guiomar, uma vendedora de enciclopédias, nas praias de Copacabana. Ele projeta nela a imagem de moça rica da zona sul, embora Guiomar more, também, na zona norte e por coincidência no mesmo subúrbio que o mecânico que se apaixona por ela.
A distorção quantitativa de dados objetivos como, por exemplo, a diferença visual entre as localidades da zona sul e as da zona norte, faz com que a sociedade não tome conhecimento do problema real por ser desfeito por esta distorção.
Uma codificação semelhante se apresenta na personagem de Noely da novela "Bandeira 2". A distorção está numa apresentação comparativa. Noely é uma moça que desde cedo aprendeu a lutar pela própria sobrevivência. Deixou o balcão da Sloper para se casar com um rapaz de pouca personalidade, dominado pela mãe, mas que ela ama intensamente, apesar de tudo. A pressão da mãe dominadora leva o casal ao desquite. Noely fica apenas com um velho Volkswagen e um pequeno apartamento em Ramos, a Rua Prof. Lacé, em frente ao palacete de Tucão, um bicheiro milionário. Para se manter, torna-se motorista de praça. Por ser bonitinha os homens a perseguem, vendo tanto em seu trabalho, quanto em sua condição de desquitada, uma presa fácil. Por isso, ela se esconde atrás de uma capa de frieza quase masculina. É uma mulher inteligente e sofrida, que quase não ri, nem chora, e que guarda suas emoções.
Tucão, cuja vida é extremamente tumultuada pelos problemas que caracterizam o submundo do jogo do bicho, e marcado por sérios conflitos familiares, resolveu utilizar Noely, lançando-a como Rainha dos Motoristas, visando assim a derrota do Sabonete, um bicheiro milionário concorrente, que lançara Cláudia Barroso, uma cantora da TV brasileira, cuja vida possui características semelhantes aquelas da personagem Noely, isto é, uma mulher de origem de poucos recursos, desquitada e lutando como cantora pela sobrevivência.
A mistura do real com o mundo fictício, pois Cláudia Barroso é uma cantora existente, evita que a sociedade, representada pelos telespectadores, desconheça ou minimize os problemas reais das pessoas que vivem na Leopoldina. É a forma sádica da codificação da formação cultural.
Ainda é necessário lembrar que a população da Leopoldina participou intensamente do desenrolar da novela "Bandeira 2'', de tal maneira que no capítulo que relata o enterro do Tucão, o diretor da novela podia dispensar a presença de figurantes, pois gravou-se, ao vivo, este enterro, com as condolências da população local.
3.2.4 DRAMÁTICA
Por último, apresenta-se a forma dramática que, devido a visualização de temas atuais, se caracteriza pela exteriorização de um drama vivido por um dos personagens. Como exemplo podemos citar a novela "Assim na Terra como no Céu" cujo conteúdo, entre mais, relata como um padre chamado Vitor se apaixona por Nívea, uma moça que mora em Ipanema. Esta moça aparece, num certo dia, morta na praia. Enquanto a novela apresenta os demais personagens como possíveis assassinos, Vítor se apaixona por uma outra moça muito ligada a Nívea e que por este motivo se torna mais suspeita que os outros personagens.
Por estes e muitos outros fatores o padre Vitor vive o seu drama: casar ou voltar para o convento. O superior do Vitor por não compreender o drama real de seu "súdito", não obtém a simpatia dos telespectadores, que vivem na época da transmissão da novela, mediante notícias nos jornais, a questão do celibato dos padres. De fato Vitor se casa, mas o assassino de sua primeira namorada nunca foi descoberto, em outras palavras: o problema não foi solucionado.
É isto, ao nosso ver, a característica da apresentação dramática do estereótipo: trabalhar sobre um fato real, envolvendo os telespectadores, sem apresentar uma solução real, pois o drama vivido por um dos personagens não é colocado em suas dimensões reais.
No caso da novela "Assim na Terra como no Céu", o padre se casou com a amiga de Nívea por se sentir culpado pela morte da Nívea. Em contrapartida, a questão do celibato levantada pelos jornais, indica outras razões, mais verídicas, pela abolição do celibato dos padres.
3.3. ATRIBUIÇÕES
A terceira forma mediante a qual a sociedade codifica sua produção cultural, é a atribuição ou comportamento dos espectadores diante da telenovela. Esta forma de estereotipagem diz respeito a articulação interna das unidades que compõem o contexto. Assim, a telenovela por ser uma unidade de um enunciado maior necessariamente atua em cima de resultados alcançados por outros produtos culturais, uma vez que as unidades, ao formar o conjunto, se articulam entre si.
Dentro desta perspectiva, o comportamento mediante o qual o telespectador atribui ao produto cultural um determinado valor, é resultante da própria produção da sociedade. Entende-se então que a apreciação da sociedade se dá por atribuição ao seu próprio produto cultural, em outras palavras, trata-se do mecanismo axiológico.
Neste estudo se impõe uma limitação à descrição e à análise deste mecanismo devido a um grande número de elementos psicológicos que estão nele envolvidos. Com um critério talvez bastante arbitrário nos limitemos aos seguintes elementos: identificação, projeção, expectativa, comportamento e idealização.
3.3.1. IDENTIFICAÇÃO
A identificação como atribuição estereotipada sobre a qual a produtora da telenovela atua, consiste na canalização para a novela de cenas consagradas pela realidade, isto é, fornecer pontos de referências que o telespectador seja capaz de identificar, situando desta maneira o fictício na realidade da sociedade.
A novela "O homem que deve morrer" pode servir de exemplo para confirmar esta afirmação. Esta novela canalizou para o telespectador estes pontos de referências: transplante do coração; o problema de vida em outros planetas; a terrível vivência de um casal no auge da crise de separação; o problema dos filhos desses casais; as feridas causadas nas pessoas pela imprensa sensacionalista; o problema da vida nas minas de carvão; a mensagem cristã do perdão e da compreensão; o problema da atração física entre pessoas de condição diferente; a realidade da convivência fraterna entre brancos e negros; a ineficácia das fórmulas violentas de persuasão; o drama de uma mulher reprimindo-se, a si mesma, devido ao respeito humano; o problema de um jovem ao entrar no mundo dos adultos.
Desta maneira o telespectador encontra na novela algo familiar, próximo de seus conhecimentos pessoais e devido a esta manipulação as fronteiras entre o mundo real e o mundo fictício se tornam nebulosas. Esta constatação equivale a dizer que uma distinção entre a informação cultural e a formação cultural não é mais justificável a não ser em termos metodológicos de análise devido ao mecanismo axiológico que envolve o telespectador na sua apreciação, não apenas da forma da novela, mas também dos próprios valores pertinentes à produção cultural.
Seria, porém, simplista demais limitar a identificação como atribuição estereotipada apenas à canalização de fatos e conhecimento conhecidos. Envolve fatores da psicologia humana tais como a busca de amor; a necessidade de prestígio, que muitas vezes coincide com o desejo da ascensão social. Na novela "O Cafona" a emoção do telespectador se concentra na personagem de Shirley, que quer subir na vida e por este motivo deseja casar-se com Gigi, dono da uma rede de supermercados, que justifica sua simpatia para com Shirley como "premio de consolação", que estabelece uma relação afetiva entre a personagem e o telespectador.
A identificação se concretiza também mediante a manipulação da permanente luta entre o nível de aspiração e o nível de possibilidade do telespectador, e possibilita que ele torça pelo casamento entre Hélio, o menino pobre, e Mariana, a filha da milionária Dona Maria do Carmo na novela ''O Primeiro Amor".
O mecanismo axiológico codifica também os vários níveis de aspiração do telespectador de tal maneira que valores fundamentais da vida individual vão sendo superados pelo "preço a pagar" para atingir situações idealizadas. O casamento entre Cristiano e Simone na novela "Selva de Pedra" é a explicitação deste mecanismo, pois o próprio desenrolar da novela mostra as dificuldades encontradas para justificar o crime praticado por Cristiano.
Um outro elemento a ser considerado, são os comportamentos resultantes de pressões socioeconômicas com impasses e descaminhos psicológicos, que mobilizam profundos mecanismos de identificação, como, por exemplo, a luta pelo posso de terras nas novelas "Irmãos Coragem", "Cavalo do Aço" e na mais recente "Fogo sobre Terra".
Todos estes fatores de ordem psicológica se centralizam, porem, em redor de referências ao cotidiano do telespectador, que, como já dissemos, envolvem os próprios valores pertencentes a produção cultural.
Dentro desta perspectiva, a identificação já é resultante da própria produção cultural e como tal faz parte dela, isto é, mediante a identificação o telespectador se acomoda com as relações sociais explicitadas na sociedade e refletidas nas produções culturais.
3.3.2. PROJEÇÃO
A projeção é o outro lado da moeda cuja primeira fase é a identificação, e faz com que o telespectador jogue em um personagem o ódio e as frustrações que carrega em si mesmo.
É interessante observar que esta atribuição estereotipada revela as contradições criadas pelas próprias produções culturais da sociedade na qual se explicitam as relações sociais. Somente desta maneira se explica, ao nosso ver, a atitude do telespectador que torce por um Tucão, o bicheiro milionário, que não respeita as leis oficiais, e admira, ao mesmo tempo, a honestidade deste mesmo Tucão na observação das "leis" de uma realidade considerada um submundo. A intensidade da participação da população da Leopoldina no momento do enterro do Tucão, como já mencionamos, faz com que o texto, em termos práticos, se oponha ao contexto, isto é, à produção cultural da sociedade. Em outras palavras, no nível de atribuição, como sendo uma das formas de codificação da produção cultural, o estereótipo se contradiz a si mesmo. O contexto, porém, justifica esta contradição, que se realiza apenas na ficção, e por este motivo é útil a este contexto que é formado por mais unidades. Parece-nos que somente nesta perspectiva se pode compreender que a própria sociedade, mediante a censura, permita aquilo que, pelo código civil, é proibido como adultérios, roubos, agressões de todos os tipos, desprestígio atribuído a autoridades civis tais como delegados, prefeito e a autoridades religiosas.
Assim, na novela ''Assim na Torra como no céu'', o delegado responsável pela investigação do assassinato da Nívea, não consegue impor sua autoridade em casa: seu filho é um hippy com toda a conotação pejorativa e sua filha se engravidou na praia de Ipanema e mais tarde perde o feto, provavelmente propositalmente. Conote-se que, por isto mesmo, não se descobre o verdadeiro criminoso.
Na novela "Irmos Coragem", o padre, cujo papel consiste em reconciliar grupos em guerra, como manda os bons costumes, isto é, a própria produção cultural, é parcial.
O padre da novela "O bem amado" é o antagonismo personificado, impossibilitando-se a si mesmo desta maneira, executar seu papel, no contexto, e na novela "O Bofe", o padre é um bêbedo que como se fosse um urubu por estar vestido de batina preta, espera a morto do sua vítima milionária.
3.3.3. EXPECTATIVA
Uma terceira forma de atribuição estereotipada, mediante a qual a sociedade codifica as informações e formações culturais, é a expectativa.
Na novela "O Bofe", o ator Cláudio Cavalcante apresenta o personagem Moneco Vidigal que se finge de beato e torce pela morte da milionária tia Carlota. Na novela "Irmãos Coragem", o mesmo ator defendo uma imagem heróica e em "Carinhosos'' ele é um pobre coitado que se endivida para conquistar o amor da moça que se casa com um desquitado.
Estes três tipos opostos do personagem evidenciam que o mecanismo axiológico da atribuição, como forma da estereotipagem, leva o telespectador a uma aceitação incondicional da produção cultural. É necessário saber que, sem querer desprestigiar o talento dos atores de telenovelas, a dramaturgia destes atores tem seus limites devido tanto ao sistema brasileiro de telenovelas, quanto às características da Televisão. Em outras palavras, os gestos, a mímica, a entonação de um ator, não se diferenciam de novela para novela e, apesar destas constatações, que envolvem a própria estereotipagem como texto num contexto, não há, parece-nos, defasagem entre a informação cultural e a formação cultural, pois a renovação dos atores pelas emissoras geradoras de Televisão, é mínima e os grandes astros e estrelas já dominam diariamente, há anos, os horários dedicados às novelas.
Estas constatações nos levam a concluir que a formação cultural das telenovelas é uma única, pois a formação cultural não é atingida pela informação cultural.
Há mais um argumento para esta tese: o fato conhecido de que Tarcísio Meira e Glória Menezes, na vida particular, são casados, torna então bastante artificioso o namoro do personagem Rodrigo, apresentado por Tarcísio Melro, com Jo, filha do Max, o papel do Betty Farias na novela "Cavalo de Aço". Este namoro, pois, é uma fonte de ciúmes e atritos entre Rodrigo e Miranda, isto é, entre Tarcísio Meira e Glória Menezes, que envolvem os telespectadores. Embora em termos de imagem Jo seja mais atraente, esta personagem jamais se transformou numa imagem simpática ao público, pois sabia-se que o mundo fictício não ia contrariar o mundo real. Assim, a expectativa do telespectador reforça a produção cultural da sociedade.
3.3.4. IDEALIZAÇÃO
Uma outra forma de codificação estereotipada, muito ligada à anterior, é a idealização. A idealização e a codificação visual adequacionadas á codificação dos valores pertinentes à produção cultural, isto é, cada novela dá um tratamento visual diferente conforme o horário. Às 19hs, tudo é mais distante da realidade, mas fictício em termos de imagem: o pobre é limpo, não há cenas de miséria, as casas são mais arrumadas como, por exemplo, na novela "O primeiro amor", onde a família pobre é bem vestida, tem comida farta e mora numa casa caracterizada pela separação entre copa e cozinha e pela escada que leva para um segundo andar.
No horário das 20hs, visualmente há mais realismo. A casa do pobre é dramatizada e os personagens são mais "realistas", ou seja, começa a ter reações mais variadas. Para o horário das 22hs a cenografia está subordinada às personagens. Assim na novela "O Cafona", a decoração do apartamento do novo rico Gigi é um misto de bom e mau gosto. Esta forma de atribuição estereotipada, que chamamos de idealização, atinge de modo direto, a formação cultural. Constata-se, por conseguinte, mais uma vez, que a distinção entre informação cultural e formação cultural somente existe em termos metodológicos de análise, pois a idealização é uma maneira sutil pela qual a sociedade codifica normas de comportamento, tanto dos personagens como dos telespectadores, normas estas que mostram "como deveria ser e como não pode ser".
3.3.5. COMPORTAMENTO PREESTABELECIDO
Por último, indicamos o comportamento preestabelecido como maneira de atribuição que se impõe, sobretudo, pela parte visual da novela. Um exemplo: na novela "Cavalo de Aço", o personagem Rodrigo, o herói, teve em Tarcísio Moira a forma física adequada. Nem bom e nem ruim, apenas funcional, aceita sem resistência pelo público. Dentro desta perspectiva, a postura dos personagens se torna exemplar devido a dois aspectos, O primeiro diz respeito ao personagem. O herói, embora tenha sofrido muito, sai vitorioso e o fim do vilão reforça mais uma vez que o "crime não recompensa", satisfazendo assim, a expectativa da próprio sociedade. O segundo aspecto está intimamente ligado aos atores e atrizes de primeira grandeza, que, consagrados pelo público obtiveram uma autoridade moral. O comportamento preestabelecido, portanto, atua em dois níveis que andam paralelamente com os personagens da novela e com o ator e atriz que representam os personagens. Nesta perspectiva por ser uma produção cultural da sociedade, fazendo parte de um conjunto maior, a telenovela explicita as relações sociais, o que vale a dizer que as diretrizes para um comportamento estão sendo transmitidas mediante os personagens que provocam uma atribuição estereotipada por parte do telespectador e, ao mesmo tempo, a sociedade se aproveita dos atores e atrizes consagrados para uma formação cultural articulada com as demais unidades que compõem a produção cultural.
4. CONCLUSÃO
Numa perspectiva semiológica as descrições e análises das várias formas de estereotipagem mediante as quais a sociedade codifica sua produção cultural, nos levam a algumas conclusões.
Ao considerar a telenovela no pressuposto teórico deste estudo, um monema, isto é, uma unidade significativa que com as demais unidades da mesma natureza forma um conjunto ou contexto, estamos no nível do significante, ou seja, no plano da expressão e, neste estudo, especificamente, no plano da forma de expresso da sociedade: o estereótipo.
É evidente que esta forma de expressão da sociedade se refere a um conjunto de códigos preexistentes àquilo que é transmitido ou seja, a produção cultural. Existe, portanto, um quadro de referências que chamamos de ideologia, entendida como fonte que explica as atividades humanas a partir de uma estrutura social considerada harmoniosa.
Esta constatação nos leva a concluir que a função do estereótipo está na justificação do funcionamento da sociedade, em outras palavras, das relações sociais explicitadas na sociedade.
A partir desta constatação podemos deduzir que a telenovela, sendo considerada um monema, exerce uma função educadora na sociedade e como tal se integra como elemento na educação permanente e não poderia ser compreendida fora dela.
Como elemento integrado na educação permanente, a telenovela mediante sua formação específica, isto é, o estereótipo, reforça a posição ética e religiosa da sociedade, como também seus gostos, sistema de valores, disposições psicológicas e não permite a individualização desta forma de expressão. Esta constatação equivale a dizer que a compreensão por parte da sociedade desta forma é única e que a formação cultural está equacionada à capacidade das pessoas se reconhecerem. Em outras palavras: a telenovela mediante o estereótipo contribui para a unificação da formação cultural.
BIBLIOGRAFIA
ECO, Humberto: Apocalípticos e Integrados, São Paulo, 1970
MICELLI, Sérgio: A Noite da Madrinha, São Paulo, 1972
FAGES, J.B.: Comprendre la Struturalisme, Paris, 1967
BARTHES, Roland; Elementos da Semiologia, São Paulo, 1972
DONKERS, A: De zwartrok op het witte doek, Baarn, 1968
(*) Para a sistematização em formas das várias apresentações de estereótipos aproveitamos a analise de A. Donkers, sobro o papel do sacerdote e pastor protestante, feita em ''De Zwartrok op het witte doek''.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 174805