História do Projeto TV-Pesquisa

 

 

Quando trabalhava, nas décadas de 60 e 70, na FASE - ONG que desenvolve projetos de organização e desenvolvimento local e comunitário - como coordenador do Projeto Recursos Pedagógicos, viajei, uma vez, três horas de avião para chegar a Belém; no mesmo dia viajei mais 10 horas de barco, e mais uma hora de taxi e mais 4 horas de barco para chegar em Oeiras do Pará e vi, num bar, um televisor ligado.

 

Semanas depois, ao chegar ao sudeste do Paraná, um lavrador me disse que, quando ia para a cidade, sempre almoçava num restaurante onde tinha um televisor para conhecer o mundo.

 

Lembra-me ainda que, salvo engano no Piauí, as mulheres assistiam, na praça de uma pequena cidade, a novela das 7 e os homens o Jornal Nacional das 8. E nunca esqueço os lavradores que me contaram que Os Trapalhões compraram um saco de lixo num supermercado para jogar o lixo fora.

 

Decidi fazer Pós-Graduação em Comunicação Social na UFRJ e comecei a recortar notícias e reportagens sobre TV publicadas na imprensa brasileira, pois a publicação de estudos sobre a TV brasileira ainda era bastante limitada. Assim, na minha Dissertação do Mestrado ‘’A Telenovela: Instrumento de educação permanente’’ cito manchetes de reportagens e artigos publicados pelo Jornal do Brasil. Era na época da ditadura militar. Ao abrir https://www.tv-pesquisa.com.puc-rio.br/ e digitando em Consulta: título de matéria: ‘’governo’’, o leitor da dissertação está, desta forma, sendo localizado na história daquela época.

 

Por esta razão, parece-me, fica evidenciada a ‘’ausência do nome do autor’’ da minha dissertação publicada pela UFRJ e posteriormente também pelo ‘Centro de Investigação e Divulgação - Petrópolis’ que a publicou em 1979 (1).

 

Ao iniciar o doutorado comecei a assistir, durante algum tempo, novelas da TV Globo com famílias de baixa renda, e continuando a recortar notícias e reportagens publicadas pela imprensa brasileira.

 

Na década de 90 vários jornalistas me entrevistaram na minha residência. O assunto foi: a coleção de cartas enviadas por telespectadores a artistas de novelas, que a TV Globo me fornecera. Nesta ocasião estes jornalistas descobriram a coleção de centenas de pastas com os recortes de jornais e revelavam - digamos - esta descoberta nos respectivos jornais. Resultado: choveram professores e estudantes de universidades na minha casa. Esta procura me fez decidir colocar o atual Projeto TV-Pesquisa na internet.

 

Encontrei um engenheiro inglês que trabalhava no Google e ele me indicou um técnico que colocou em 11/07/1999 um programa simples na internet. Posteriormente um estudante de pós-graduação, orientado por um professor do Deptº de Informática da PUC-Rio, elaborou o atual Projeto com as devidas exigências necessárias para a pesquisa científica.

 

A partir de 11/07/2019 as fontes de informações foram, no decorrer dos anos, reduzidas ao jornal Folha de S.Paulo. e terminei definitivamente o Projeto TV-Pesquisa em 11/07/2024.

 

No entanto, a informação da manchete ‘’Nova fase da TV aberta’’ do Ministério de Comunicação, como também a transmissão da Olimpíada-24, a repercussão do falecimento do comunicador-empresário Sílvio Santos e Cid Moreira e a relação reality show-eleições me obrigaram praticamente a reconsiderar esta decisão.

 

Observo ainda que a coleção de informações fornecidas pela imprensa brasileira não sofreu censura da minha parte. Evitei, entretanto, reproduzir reportagens que mencionaram, por exemplo, desentendimentos entre os atores (empresa, funcionário, etc.) atuantes nos meios de comunicação social como também comentários sobre o comportamento de participantes do reality show BBB 24, publicados na internet da Folha SP.

 

Para garantir a maior possibilidade de objetividade na seleção das informações constando no Projeto, informo que esta seleção conhece quatro etapas, sendo a primeira iniciada em 1969. Já tinha a assinatura do JB e comecei a comprar, todos os domingos, no banco de jornais as notícias publicadas em jornais e revistas reservadas pelo dono do banco. Quando, mudando de residência e começando a lecionar na PUC-Rio, encontrei outra fonte: a sala dos professores do Deptº de Comunicação Social com jornais e revistas. Escaneava o material. Quando me aposentei, fiquei com assinaturas do Globo, Folha, Estadão, Zero Hora, M&M e, uma ou outra vez, uma revista até 11/07/2019.

 

A partir desta data continuei o serviço, além dos jornais impressos, também fontes na internet, o que no decorrer dos anos praticamente foi reduzido ao jornal Folha SP, pois o acesso gratuito a internet foi gradativamente impossibilitado.

 

Ainda há de ser observado que o Projeto TV-Pesquisa não pretende contar ‘’A História da TV Brasileira’’. Os fatos mencionados neste Projeto são apenas históricos, o que não é História com H maiúsculo (2).

 

Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2024.

 

João Luís van Tilburg

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(1) Dissertação: Telenovela: instrumento de educação permanente. Petrópolis: Centro de Investigação e Divulgação, 1979-1980 109 p. “O estudo analisa a telenovela produzida no Brasil, sob o ponto de vista da codificação icônica, o close, objeto de pesquisa, é visto como mecanismo de educação permanente e examinado em três momentos: os personagens, os ambientes e o texto falado por estes personagens e nestes ambientes. Através de análises estatísticas o autor mostra que nas novelas estudadas Escalada e Meu Rico Português existem evidências sobre a utilização do close, a saber: o mal reinante na sociedade tem sua origem na organização da família na qual a mulher (esposa, dona de casa, namorada e noiva) não assume o papel que lhe é atribuído pelos valores dominantes da sociedade. Esse trabalho é a Dissertação de Mestrado de João Luis van Tilburg, mas publicado sem o nome do autor cuja autoria foi posteriormente reconhecida. Codificação icônica Close/Família/Mulher/Sociedade brasileira/Educação permanente N. cham. : 791.4509811c397t Loc. Doc.: BT (Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) / ECA-USP.”

Ao qualificar a novela como ’’instrumento de educação permanente’’, o autor faz referência a títulos de reportagens. Veja: Projeto TV-Pesquisa: “título da matéria jornalística’’: governo.

(2) HISTÓRIA - Jacques Lê Goff - Enciclopédia Einaudi - Volume 1 - Memória-História - 1984 Imprensa Nacional

‘’Estamos quase todos convencidos de que a história não é uma ciência como as outras, sem contar com aqueles que não a consideram uma ciência. Falar de história não é fácil, mas estas dificuldades de linguagem introduzem-nos no próprio âmago das ambiguidades da história. Neste ensaio, tentaremos centrar a reflexão sobre a história na temporalidade, situar a própria ciência histórica nas periodizações da história e não a reduzir à visão europeia, ocidental, mesmo que, por ignorância e em virtude de deficiências importantes de documentação, sejamos levados a falar sobretudo da ciência histórica europeia.

(A palavra 'história' (em todas as línguas românicas e em inglês) vem do grego antigo historie, em dialecto jónico [Keuck 1934]. Esta forma deriva da raiz indo-europeia wid-, weid, 'ver'. Daí o sânscrito vettas 'testemunha' e o grego histor 'testemunha' no sentido de 'aquele que vê'. Esta concepção da visão como fonte essencial de conhecimento leva-nos à ideia que histor 'aquele que vê' é também aquele que sabe; historein em grego antigo é 'procurar saber', 'informar-se'. Historie significa pois ‘’procurar’’. É este o sentido da palavra em Heródoto, no início das suas Histórias, que são ‘’investigações’’, ‘’procuras’’ [cf. Benveniste 1969, t. II, pp. 173-174; Hartog 1980]. Ver, logo saber, é um primeiro problema.

Mas nas línguas românicas (e noutras) 'história' exprime dois, senão três, conceitos diferentes. Significa: 1) esta ‘’procura das acções realizadas pelos homens’’ (Heródoto) que esforça por se constituir em ciência, a ciência histórica; 2) o objecto de procura é o que os homens realizaram. Como diz Paul Veyne, ‘’a história é, quer uma série de acontecimentos, quer a narração desta série de acontecimentos’’ [1968, p. 423]. Mas a história pode ter ainda um terceiro sentido, o de narração. Uma história é uma narração, verdadeira ou falsa, com base na ‘’realidade histórica’’ ou puramente imaginária - pode ser uma narração histórica ou uma fábula. O inglês escapa a esta ultima confusão porque distingue entre history e story (história e conto). As outras línguas europeias esforçam-se por evitar esta ambiguidade. O italiano tem tendência para designar se não a ciência histórica, pelo menos as produções desta ciência pela palavra 'storiografia', o alemão estabelece a diferença entre a actividade ‘’científica’’, Geschichtschreibung, e a ciência histórica propriamente dita, Geschichtswasenschaft. Este jogo de espelhos e de equívocos manteve-se ao longo das épocas. O século XIX, século da história, inventa ao mesmo tempo as doutrinas que privilegiam a história dentro do saber - falando, como veremos, de 'historismo' ou de 'historicismo' - e uma função, ou melhor, uma categoria do real, a 'historicidade' (a palavra aparece em 1872, em francês). Charles Morazé define-a assim: ‘’Devemos procurar para além da geopolítica, do comércio, das artes e da própria ciência, aquilo que justifica a atitude de obscura certeza dos homens que se unem, arrastados pelo enorme fluxo do progresso que os especifica, opondo-os. Sente-se que esta solidariedade está ligada à existência implícita que cada um experimenta em si, duma certa função comum a todos. Chamamos a esta função historicidade’’ [1967, p. 59].

O conceito de historicidade desligou-se das suas origens ‘’históricas’’, ligadas ao historicismo do século XIX, para desempenhar um papel de primeiro plano na renovação epistemológica da segunda metade do século XX. A 'historicidade' permite, por exemplo, refutar no plano teórico a noção de «sociedade sem história’’, refutada por outro lado pelo estudo empírico das sociedades estudadas pela etnologia [Lefort 1952]. Ela obriga a inserir a própria história numa perspectiva histórica: ‘’Há uma historicidade da história que implica o movimento que liga uma prática interpretativa a uma praxis social’’ [Certeau 1970, p. 484]. Um filósofo como Paul Ricoeur vê na supressão da historicidade através da história da filosofia, o paradoxo do fundamento epistemológico da história. De facto, segundo Ricoeur, o discurso filosófico faz desdobrar a história em dois modelos de inteligibilidade, um modelo de acontecimentos (événementiel) e um modelo estrutural, o que leva ao desaparecimento da historicidade: ‘’O sistema é o fim da história porque ela se anula na lógica; a singularidade é também o fim da história, porque toda a história se nega nela. Chegamos a este resultado paradoxal: é sempre na fronteira da história, no fim da história que se compreendem os traços mais gerais da historicidade’’ [1961, pp. 224-25].

Temos, porém, de viver e pensar com este duplo ou triplo sentido de 'história'. Lutar contra as confusões grosseiras e mistificadoras entre os diferentes significados, não confundir ciência histórica e filosofia da história’’.