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Jornal/Revista: Folha de S. Paulo Data de Publicação: 26/09/2004 Autor/Repórter: Laura Mattos
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O DECLÍNIO DO IMPÉRIO DAS LOIRAS
Queda de audiência e anunciantes esgota fórmula que foi sucesso por duas décadas
Por anos e anos as crianças quiseram "mandar um beijo pra minha mãe, pro meu pai e pra você". Duas décadas após o surgimento de Xuxa -"rainha" de uma leva de seguidoras loiras-, o público infantil demonstra dar "beijinho, beijinho, tchau, tchau" para a já antiga fórmula apresentadora/auditório/desenhos animados.
Emissoras já admitem um esgotamento da chamada "era das loiras" e quebram a cabeça para tentar descobrir o que poderia substitui-las com o mesmo prestígio e audiência dos áureos tempos.
"Xuxa no Mundo da Imaginação", da Globo, perde freqüentemente no Ibope para os desenhos do SBT, que no ano passado pôs fim à seqüência de loirinhas com a saída de Jackeline Petkovic.
Eliana, depois de quase 15 anos à frente de vários programas de sucesso, despede-se dos infantis no próximo 12 de outubro, Dia das Crianças. Em seu lugar, a Record coloca um programa de fofocas com Sonia Abrão e, para os pequenos, reserva apenas as manhãs de sábado e domingo -só com desenhos, sem loiras.
Angélica, grávida, continuará no "Vídeo Show" e não tem planos de voltar a pular para a criançada, o que deixou de fazer em 2001, 18 anos após estrear como substituta de Xuxa na Manchete.
Outras loiras desapareceram da TV, e o que é mais significativo: diferentemente do que ocorreu ao longo de 20 anos, nenhum canal está à caça de novas caras bonitinhas. Enquanto não entendem por que os "baixinhos" se cansaram desses programas, o que gostariam de ver na TV e como atrair os anunciantes desse público, emissoras abertas mergulham num vazio da programação infantil: há pouca inovação e raramente algo consegue despertar o interesse da massa de pequenos telespectadores.
Prova disso é o fato de os infantis quase nunca atingirem dois dígitos no Ibope, o que ocorria no auge do império das loiras, e de as dez maiores audiências da faixa de quatro a 11 anos serem de programas adultos.
Na semana passada, também chamou a atenção de anunciantes e TVs a entrega do Prêmio MídiaQ, da ONG Midiativa, no qual crianças, pais e especialistas escolhem infantis de qualidade. Dos quatro aos sete anos, o vencedor foi "Castelo Rá-Tim-Bum", que sobrevive de reprises na Cultura há quase dez anos. Dos oito aos 11, não houve ganhador. "A TV aberta está em dívida com a criança. Precisa achar um rumo e produzir mais", diz Beth Carmona, presidente da TVE do Rio e da Midiativa e ex-diretora de programação da TV Cultura de São Paulo.
Para ela, felizmente o formato das loiras já se esgotou. "O sucesso desses produtos se dava muito em razão dos desenhos. Houve um tempo em que a âncora era necessária para alavancar os enlatados, mas as emissoras perceberam que o desenho poderia ser exibido sozinho, que é mais barato assim. O sucesso da animação é um fenômeno mundial", afirma.
Na opinião de Carmona, o primeiro sinal de que a fórmula das loiras não seria eterna foi o sucesso de audiência do "Castelo", que, no início dos anos 90, chegou a preocupar as TV comerciais. "Isso veio mostrar que as loiras não eram tudo. A TV pública serve muitas vezes para chacoalhar as comerciais. O "Sítio do Picapau Amarelo", por exemplo, foi retomado na Globo, e isso é saudável. Mas é preciso fazer mais", diz.
Ela admite que a crise financeira das TVs públicas colaboraram para um vácuo nos infantis. "Isso deverá mudar a partir do próximo ano, com a retomada de produção na TVE e na Cultura."
Na opinião de Rita Okamura, diretora de programação da Cultura, as comerciais estão num "momento de estagnação" em relação à programação infantil. "A fórmula loiras se desgastou. Tudo se esgota, até a baixaria. Hoje, há mais conscientização do telespectador e do anunciante. A procura passa a ser por qualidade."
Mentora da "rainha dos baixinhos", Marlene Mattos poderá, contudo, dar sobrevida ao estilo Xuxa. No comando artístico da Band, ela diz que não crê no fim da fórmula, apesar de achar que "é preciso experimentar mais formatos". Sua aposta para a programação infantil é a loira Kelly Key. Atual âncora de desenhos, poderá comandar um auditório em 2005. Resta saber se a criançada ainda engole o "baba, baby, baba".
Para especialistas, novas tecnologias formam uma geração que não se contenta com as loirinhas
DISPUTA ENVOLVE GAME, INTERNET E TV PAGA - Em 1983, quando a então modelo Xuxa Meneghel estreou como apresentadora do "Clube da Criança", na TV Manchete, a única preocupação das emissoras eram os canais concorrentes.
A Globo corria atrás da descoberta da Manchete, que era assediada pelo SBT, que tentava contratar a nova carinha da Record. E a programação infantil se resumia à compra de desenhos enlatados e a um vaivém de loirinhas e de seus cachês cada vez mais gordos.
Do tempo em que o Atari chegava ao Brasil até hoje, a fórmula para conquistar a audiência infantil tornou-se bem mais complexa. Para especialistas, a televisão aberta passou a disputar a atenção dos baixinhos e dos anunciantes com internet, canais pagos e a enxurrada de games.
"Houve uma época em que as manhãs das TVs eram basicamente preenchidas por programas de auditório com loiras. A chegada da TV paga e de outras mídias ajudou a mudar esse panorama. A criança de hoje não é mais a mesma que ficava somente exposta à TV aberta. E esse novo cardápio de mídias pulverizou os anunciantes", diz Dora Câmara, diretora do Ibope Mídia.
Na Band, Marlene Mattos demonstra estar de olho na mudança de comportamento da nova geração. "Tenho muita preocupação com as crianças que já nascem e são apresentadas ao computador, à internet. Elas são bombardeadas por um excesso de informação que é nocivo", diz.
Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, afirma que a programação infantil da emissora tem de se modernizar constantemente. "Esse público passa por freqüentes mudanças e sofre diferentes influências."
A Record não fala oficialmente sobre o assunto, mas a concorrência com outras mídias foi um fator decisivo para acabar com o programa de Eliana e restringir a oferta de infantis a desenhos nas manhãs de sábado e domingo.
O faturamento de merchandising da apresentadora é alto, mas a parte repassada à emissora, nem tanto. As loiras faturam por conta própria, com produtos que levam seus nomes, e cobram salários cada vez mais altos. Conseqüentemente, tornam-se negócios não tão atrativos para os canais.
Diante disso, fica cada vez mais difícil fechar a conta da produção dos programas, já que grandes anunciantes de produtos infantis passaram a dividir a verba com outros meios de comunicação.
Na direção da Record, a avaliação é que, apesar de a massa de audiência não ter migrado para os canais pagos, eles têm "roubado" importantes anunciantes da TV aberta. É a minoria dos baixinhos que assiste à TV paga, mas é justamente a fatia dos filhos de quem mais pode comprar brinquedo.
Além disso, a publicidade começa a demonstrar preocupação com a qualidade dos programas de TV. Assim como tem fugido do jornalismo "mundo cão", tornou-se mais seletiva com a programação infantil. Na semana passada, Orlando Lopes, presidente da Associação Brasileira de Anunciantes, em discurso no MaxiMidia, falou sobre a responsabilidade social de investir em bons infantis. "Abaixo o custo por mil", disse, em referência à expressão publicitária que considera o preço do anúncio em relação à quantidade de telespectador que vê o programa. Segundo ele, mais do que se preocupar com números, quem vende produto infantil deve procurar qualidade na televisão.
Desenhos - Os desenhos animados-mesmo os mais antigos- continuam em alta.
O sucesso de audiência dos exibidos nas manhãs do SBT, que, sem âncora loira ou morena, bate até o ibope de Xuxa, ajudou a Record a concluir que não valia mais a pena bancar o infantil de Eliana.
Para Beth Carmona, presidente da TVE do Rio e da ONG Midiativa, as novas animações são mais estimulantes para as crianças acostumadas a games e internet do que às gracinhas das loiras.
"Se, por um lado, há crítica a desenhos japoneses, por outro sabe-se que eles têm uma linguagem não linear que trabalha muito o raciocínio e a curiosidade das crianças. Utilizam a fragmentação de idéias e exigem que o telespectador faça associações."
Apesar do sucesso fenomenal da nova safra de desenhos, Carmona acredita que ainda haja espaço para a teledramaturgia infantil, vide o sucesso da regravação do "Sítio do Picapau Amarelo", na Globo. "Apesar do ritmo dos videogames, acreditamos na possibilidade de retomar o bom contador de histórias, de lendas", afirma ela, que prepara na TVE o lançamento de "Menino Maluquinho" para 2005, entre outros produtos de teledramaturgia.
De gente grande - Sintoma ou não da falta de criatividade na programação infantil, as atrações mais assistidas por crianças de quatro a 11 anos, de acordo com o Ibope, são dirigidas a adultos, como o "Jornal Nacional", as novelas e os humorísticos da Globo.
Numa lista dos 30 programas mais vistos por essa faixa etária em agosto, fornecida à Folha pelo instituto, apenas três são realmente dirigidos a crianças: "Criança Esperança", da Globo (11º lugar), "Os Flinstones" (21º) e "Festolândia" (29º), do SBT.
Dora Câmara afirma que o resultado está atrelado ao fato de os pais mandarem no controle remoto durante o horário nobre.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 102405