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Nova Consulta

Jornal/Revista: O Globo
Data de Publicação: 20/10/2004
Autor/Repórter: Amelia Gonzalez

NOVELA COM CARA DE PROGRAMA POLICIAL VESPERTINO

A Rede Record passou de um extremo ao outro quando, após a frustrada tentativa de reingressar na teledramaturgia com a transmoderna “MetAMORphoses” , estreou anteontem a versão de um dramalhão que fez sucesso há quase 30 anos, “A escrava Isaura”. Como se sabe, andar pelos extremos pode ser perigoso. Sem bordas, não há limites: nem para o absurdo, nem para o abuso. É possível acertar sem limites, sim, mas aí é preciso saber usar a criatividade.

Em “MetAMORphoses” imperou o absurdo e o público se afastou. Na tradicionalíssima “A escrava Isaura”, as cenas de violência logo nos primeiros 20 minutos de trama fizeram a novela ficar parecendo muito mais um desses programas policiais vespertinos, tamanha a quantidade de sangue, suor e lágrimas que se viu na telinha no primeiro capítulo, que registrou a média de 12 pontos no Ibope, com pico de 14, o que levou a emissora ao segundo lugar de audiência no horário.

Sabe-se que a história da escrava que nasceu branca e viveu vida de sinhá, mas sempre foi perseguida pelo patrão e pelo filho dele, é bonita. Não se discute ainda a excelência de alguns atores veteranos, como Rubem de Falco no papel de Almeida, Norma Blum como Gertrudes, Jackson Antunes como Miguel.

Mas Herval Rossano, o mesmo diretor da versão global do drama, que foi primeiramente adaptado por Gilberto Braga, desta vez parece ter se impregnado da indefectível mania que alguns diretores têm de achar que imagens fortes garantem público. Pode até ser. Mas, convenhamos, numa época violenta, quando os telejornais contribuem para manter nossas pupilas dilatadas diariamente mostrando cenas reais de decapitações de reféns, gente morta sendo carregada em carrinho de obra, crianças soterradas em escolas... é hora de repensar esta arte. A cena da morte da escrava Juliana —-- em interpretação razoável da atriz Valquíria Ribeiro —-- no tronco, sangrando por todos os lados, era dispensável, sobretudo levando-se em conta o horário.

Já que, segundo se sabe, há mais de 30 capítulos gravados, resta às fãs da história tirar a meninada da sala quando sentir que escravos serão massacrados em cores. Ninguém merece gastar seu tempo de lazer com cenas como aquelas.

Fechando os olhos para este deslize (podemos chamar assim?) de direção, infelizmente rotineiro na televisão mundial, a novela pecou também por exagerar no figurino-menina-moça para uma atriz com o talento de Norma Blum, que ficou bem esquisita com aquele lacinho de renda branco nos cabelos. E a equipe de produção bem que poderia ter tido um pouco mais de cuidado com a caracterização de Rubem de Falco. O tempo passou para a menina Isaura, não para ele. São detalhes, mas que podem comprometer uma estréia.

Paradoxalmente, as imagens também foram responsáveis pelos pontos fortes do primeiro capítulo da novela. O incêndio no quilombo, os escravos trabalhando na plantação de café ou empurrando carrinhos de obras na praça da cidade remeteram, aí sim belamente, a uma época da qual os humanos não têm muito que se orgulhar. Mas, se existiu, não há porque omitir. Desde que nos poupe dos detalhes sórdidos.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 103300