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Jornal/Revista: Folha de S. Paulo
Data de Publicação: 01/10/1989
Autor/Repórter: Ângela Marsiaj

'SEXO DOS ANJOS' TRANSBORDA CAROLICE ANACRÔNICA

Nada mais anacrônico do que falar em pecado hoje, no ambiente raso de uma novela das seis. "O Sexo dos Anjos'', reedição da novela ''O Terceiro Pecado" após mais de 30 anos, é toda baseada nisso. Um festival de maniqueísmo.

A Morte envia um emissário para buscar uma garota de 18 anos (Isabela Garcia). Como ela é muito boa (no sentido católico da palavra), o emissário vivido por Felipe Camargo, pede que seja poupado e chega a propor que Sílvia Buarque, sua irmã ,invejosa, seja morta em seu lugar. Da barganha chega-se ao trato: Isabela vai morrer ao cometer seu terceiro pecado. Não dá para agüentar.

A trama é só o começo dos problemas. Tome-se a Morte. Poucos personagens podem ser tão ricos e terríveis. Exemplos não faltam. Para ficar com as mortes de foice, há a do "Sétimo Selo", de Bergman, ou a do recente "As Aventuras do Barão de Munchausen", de Terry Gilliam. Bia Seidl não tem foice, tudo bem. Mas é das mortes mais geladas e sem sal que já se viu. Está tão vazia quanto um computador. Parece apenas cumprir o programa. Haveria outras formas, ainda que nesse horário água-com-açúcar. Na interpretação, Felipe Camargo segue o padrão de Bia Seidl.

Há outras pregações em "O Sexo dos Anjos", além da mensagem principal declarada pela autora ("Só o amor vence a morte"). Não que haja problema em tratar de temas como deficiência auditiva e ecologia. Mas somadas à propaganda declarada pelo Bem, contribuem para uma overdose de boas intenções.

A protagonista Isabela é irritantemente perfeita e encarna todos os clichês da alma boa. Trabalha numa creche para crianças carentes, é a melhor amiga do irmão surdo-mudo e ainda se corresponde com o tio padre. Sobretudo, perdoa com resignação todas as sacanagens de sua irmã e ainda a defende.

A irmã, aliás, pelo menos humana, apesar de neurótica. E pintada como má quando é apenas uma adolescente emocionalmente instável e uma invejosa completa. Surpreende que, no cinqüentenário da morte de Freud, a inveja mereça um tratamento tão obtuso. Surdez pode; inveja não. A boa Isabela também não escaparia do divã.

Diante disso, os personagens mais interessantes acabam ficando os que não são flor que se cheire. O espectador termina torcendo para que a invejosa Sílvia Buarque se dê bem e conquiste Felipe Camargo, o emissário da Morte. Outra grande participação na mesma linha é a de Eloísa Mafalda. Sua Francisquinha Barata é uma solteirona assanhada, ex-milionária, que vem do interior para um concurso de lambada. A personagem alivia a carolice da novela. A sorte do expectador é que a mão experiente de Ivani Ribeiro pode deixar anacronismos como o do argumento, mas não permite que o ritmo caía em instante algum.

Por fim a abertura é, na verdade, um disfarce para o tema. Estaria perfeita em "Estúpido Cupido", já que mostra o ataque de um Cupido e não da Morte. Na abertura há ainda uma repetição empobrecida do excelente trabalho feito para a Copa da Espanha (que mostrava um zoom fantástico, iniciado do ponto de vista de um satélite, passando por nuvens, pelo país, pela cidade, até o campo de futebol e a bola).

PRIMEIRA VERSÃO E DE 1968

"O Terceiro Pecado" texto original de "O Sexo dos Anjos'' da mesma Ivani Ribeiro, foi ao ar na extinta TV Excelsior entre janeiro e julho de 1968. Stênio Garcia - que hoje fez o padre Aurélio, tio de Isabela, assassinado - foi seu irmão surdo-mudo. A Morte e seu emissário foram Nathália Timberg e Gianfrancesco Guarnieri. Regina Duarte - na época a "namoradinha do Brasil" - foi a garota que deveria morrer após ter cometido o terceiro pecado.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 10345