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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Visão Data de Publicação: 19/04/1989 Autor/Repórter:
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NOS ANOS 30, O FUTURO DA NOVELA
O Rio da agitada década de 30 é pano de fundo de Kananga do Japão, que estréia em junho. E, somente se tiver sucesso, a dramaturgia continuará com espaço garantido na Manchete
O ano de 1989 poderá ter um peso especial na carreira de Tizuka Yamazaki, a elogiada cineasta de Gaijin - Os caminhos da liberdade, Parahyba, mulher macho e Patriamada. Às 21h30 de 19 de junho - um dia depois da comemoração da chegada dos primeiros imigrantes japoneses ao Brasil -, ela estreará como diretora de novela, com a transmissão do primeiro capítulo de Kananga do Japão, escrita por Wilson de Aguiar Filho e apresentada como o maior investimento da Rede Manchete até hoje. Uma estréia que carrega um compromisso adicional, além da tradicional disputa por telespectadores e anunciantes: "Se essa novela não der certo, estamos convictos de que a Manchete desistirá da dramaturgia", confessa Jaime Monjardim, diretor artístico da emissora.
"Não sou salva-vidas, mas essa responsabilidade me estimula", reage Tizuka, certamente tranqüilizando a direção da rede, que condiciona a uma audiência mínima de 15 pontos a realização de projetos que vão de uma novela de Mário Prata toda gravada em São Paulo, para o horário das 19h30, aos seriados Indiana Gomes, com Mário Gomes, e uma espécie de remake de Os Monkees, com os Miquinhos Amestrados, passando por adaptações de contos brasileiros.
Arte mais industrializada que o cinema, a televisão não é um fascinante mundo novo para Tizuka, que em 1985 produziu alguns documentários para a TV Educativa do Rio de Janeiro e três anos depois dirigiu a minissérie global O pagador de promessas, de Dias Gomes, que foi ao ar mutilada pela ação da censura. Ela não se furtou também à atuação na área comercial, produzindo anúncio dos tubos e conexões Tigre, com a luta de dois cavaleiros medievais.
A cineasta não se preocupa muito com as diferenças técnicas entre TV e cinema, até porque "minha tarefa é transformar uma mentirinha em verdade, fazendo as pessoas se emocionarem. Minha profissão é trabalhar com audiovisual como um mágico - que é bom quando convence sem dar as dicas de seus truques". Mas ela terá de contornar alguns problemas na direção de Kananga do Japão: a dificuldade de trabalhar com um roteiro aberto que, ao contrário do cinema, tem desfecho que pode e deve depender do público e o processo industrial, que a obrigará a rodar dezenas de cenas no mesmo dia.
Grande família - Mudança, de qualquer tipo, não é novidade na vida dessa mulher de quase quarenta anos, mãe solteira de dois filhos e logo de mais uma. Nascida em Porto Alegre numa família de agricultores, com um ano veio para Atibaia, no interior de São Paulo, e só saiu de lá para fazer o curso secundário na capital paulista, onde deu aulas no Instituto de Artes e Desenho até passar no vestibular para artes Teve apenas onze dias para preparar o elenco e não se fez de rogada: "Me ajudem", pediu. Aliás, Tizuka tem um esquema peculiar de trabalho. "Não dirijo uma câmara. Trabalho em equipe e faço tudo pela harmonia. Se não formarmos uma grande família, eu me perco e fico insegura."
Boa mistura - Na nova novela da Manchete, a diretora encontrará outros pontos familiares de trabalho. Como Gaijin, Parahyba (o conturbado romance de um político na Revolução de 30) e Patriamada (ambientado na campanha Diretas Já), Kananga do Japão mistura ficção, romance e história. Com inevitáveis lances folhetinescos, a trama envolve um triângulo amoroso - a fascinante heroína empobrecida pelo crack de 1929, o filho de um rico industrial e o atraente boêmio aventureiro -, os moradores de uma pensão na famosa Praça XI, no Rio, e os freqüentadores' de um cabaré - o Kananga do Japão, que, apesar das coincidências da produção, nada tem a ver com os imigrantes japoneses. Como pano de fundo, toda a rica e movimentada década de 30.
Essa foi uma das épocas marcantes do país, que saia do agrário para o industrial, abrangeu revoluções (a de 30, a Constitucionalista, além da Intentona Comunista, do movimento integralista, do Estado Novo). "Foi um dos momentos políticos mais importantes de nossa história, até musicalmente, pois só perde para a bossa nova", pondera o autor, Wilson de Aguiar Filho. No cabaré, Elizeth Cardoso cantava e dançava; Sinhô e Ary Barroso tocavam piano; e entre os freqüentadores estava Adolpho Bloch, presidente do grupo Bloch.
O próprio presidente sugeriu o tema e a Manchete aposta alto: construiu uma cidade cenográfica em Grumari, no Sul da cidade do Rio, com 7 mil m2, e contratou um elenco estelar: Rubens Correa, Cláudio Marzo, Débora Duarte, Nelson Xavier, Buza Ferraz, Vera Gimenez e outros. O triângulo central ainda não está definido, mas o convite já foi rejeitado por Nuno Leal Maia, Bruna Lombardi e Maitê Proença.
Mas tanto quanto os personagens de ficção, se tudo correr conforme os planos, haverá alguns "personagens-pontas" que certamente despertarão muita curiosidade. Pelo cabaré Kananga passarão Santos Dumont, os escritores Mário de Andrade e Manuel Bandeira, Ary Barroso, o lendário Sinhô de tantos sambas e Carmen Miranda. Pela trama desfilarão parte da história de Luiz Carlos Prestes, Olga Benário, Plínio Salgado, Getúlio Vargas e muitas outras personalidades, compondo um atraente painel dos anos 30.
E o futuro? - Com orçamento escondido a sete chaves, Kananga do Japão pretende ser bem diferente das novelas feitas até agora - resta torcer para que seja verdade, pois essa é uma proposta sempre anunciada pela Manchete e raramente concretizada. Como novidades, por exemplo, cada capítulo terá três minutos de imagens documentais e os atores farão laboratório, para compor personagens mais consistentes do que os que são vistos comumente. Mas que o público não espere vanguardismos, pois Tizuka, declaradamente pouco conhecedora do gênero, revela boa dose de pragmatismo - "não se pode esquecer que uma TV avança à medida que consegue vender seu produto, os programas".
A autora de Gaijin tem oito meses de contrato com a Manchete. "Se me sair bem, posso continuar", adianta. Mas não se esquece de seus outros projetos, que toca avante: a co-produção O brasileiro voador, com a vida de Santos Dumont em roteiro do escritor Márcio de Souza, que compreende um longa-metragem, uma minissérie e um documentário - idéia que existe há quatro anos mas esbarra nos 6 milhões de dólares do orçamento. Falta dinheiro também para tocar o filme Urgentemente me abraça, com parceria de Alcione Araújo no roteiro. O destaque, porém, fica para uma misteriosa sinopse, já enviada ao escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez. "Ele está entusiasmado e quer que eu dirija o filme. Não conto mais nada", afirma Tizuka, em tom de suspense.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 11319