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PUC-Rio
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Jornal/Revista: O Globo Data de Publicação: 21/10/1990 Autor/Repórter: Ana Maria Bahiana
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O MUNDO (QUASE) PERFEITO DA MTV
Chega ao Brasil o canal musical que fez história nos EUA
LOS ANGELES - A MTV (Music Television) entrou no ar, nos Estados Unidos, na madrugada de primeiro de agosto de 1981, exatamente às 12h01m, com a transmissão do clip "Vídeo killed the radio star", dos Buggles - e a América não estava exatamente sentada na beirada da cadeira, esperando ansiosamente. Muito pelo contrário. A idéia de Bob Pittman, um ex-programador de rádio então com 28 anos - uma "rádio visual" -, parecia, dependendo do ângulo que se olhasse, ou brilhante demais ou idiota demais para ser verdade. Quem iria querer assistir um canal (a cabo, portanto pago, por assinatura) que só transmitia anúncios? Porque, a rigor, aquilo que, a partir de agosto de 1981, passou a ser chamado videoclip era, até então, conhecido como "promo", ou seja, peças promocionais de apoio na venda de discos. Anúncios, em bom português. Por outro lado, que maravilha ter um canal de TV cujo investimento em programação não passava de migalhas; apenas o necessário para logotipos, vinhetas, equipe técnica e apresentadores? Sim, porque a programação já vinha pronta, prontinha, teúda e manteúda pelas gravadoras.
Do ponto de vista econômico, aquilo era bom demais para ser viável. Do ponto de vista de marketing, era um absurdo. Do ponto de vista musical, havia uma mistura de indiferença, curiosidade (rádio com imagens?), e franca hostilidade. Clubes, palcos e rádio sempre haviam sido as arenas em que carreiras pop eram forjadas, e não poucos entre os pesos pesados do rock, de Joe Jackson a Neil Young, anunciaram sua firme intenção de jamais compactuar com o novo medium.
Dez anos e muitas mudanças depois, a MTV está rindo por último. Depois de um período de rápido crescimento, entre 1981 e 84, quando a força da novidade capturou a imaginação do público americano, e depois de um súbito declínio entre 85 e 86, quando a novidade desgastou-se, a MTV reinventou-se, deu uma guinada substancial na sua programação e na sua estrutura corporativa e, hoje, é vista por aproximadamente 20 milhões de pessoas. Seu poder de fogo imediato alastra-se por inúmeras subdivisões: a MTV, hoje, promove turnês (MC Hammer e Bon Jovi, os mais recentes) e eventos especiais, tem sua própria revista e sua própria linha de produtos (roupas, gadgets), alimenta canais subsidiários em diversos países (desde ontem alcançando o Brasil também) e prepara, para os anos 90, um ambicioso projeto: os "rockplexes", mistura de shopping center, área de lazer e estúdio de TV, a serem construídos nas principais cidades americanas.
Promocionalmente, apenas o rádio é (ainda) uma arma tão ou mais eficaz. Os executivos das gravadoras podem resmungar o quanto quiserem, entre dentes, mas continuam a gastar em vídeos o mesmo que a MTV apura por ano: US$ 50 milhões; e a entregá-los, gratuitamente e com exclusividade, para o canal. Por quê? Porque a MTV pode ser creditada, sozinha ou quase, pelo sucesso de dezenas de artistas, das bandas inglesas do início dos anos 80, a mais recentemente, Paula Abdul, Milli Vanilli, Midnight Oil, George Michael, MC Hammer e Sinéad O'Connor. Porque uma banda estreante ou um artista desconhecido podem ser solenemente ignorados pelo rádio mas, se seus clips forem exibidos na MTV (mesmo na rotação mínima, duas vezes por dia) seus discos venderão mais de 250 mil cópias.
Com isso, todas as ovelhas desgarradas que, em 1981, juraram jamais por os pés no curral da MTV tiveram que voltar atrás e, agora, são alegres madrinhas do rebanho. Ninguém, nem Neil Young, nem Morrissey, nem o R.E.M. - que fazia clips obscuros propositalmente para não serem exibidos, e hoje são convidados freqüentes do programa "Post modern MTV" - pode se dar ao luxo de ignorar o veemente principio da realidade que o canal representa.
Nestes dez anos, a MTV também mudou, e muito. Embora, na essência, tenha permanecido exatamente o que sempre foi: uma voraz máquina de marketing. Na "primeira" MTV, música de dança, música negra e pop ficavam pelas beiradas, se tanto. Em 1985, a poderosa Viacom International, um conglomerado de empresas da área televisiva comprou a MTV e quase morreu de susto: ao mesmo tempo em que o videoclip em si amadurecia e se tornava um medium à parte, o canal perdia público na base de 50 por cento ao ano.
A reviravolta, iniciada em 1987, implicou a demissão de todos os apresentadores do período inicial, na instauração de uma cúpula executiva recrutada nos quadros de marketing e vendas e numa mudança vigorosa da programação em direção do formato "só sucessos", incorporando, em doses cada vez maiores, o pop, a música de dança e o rap.
Para complementar a guinada em direção a um público mais jovem, criaram-se várias janelas para programas especiais: entrevistas, noticiário, cinema, jogos (inclusive o "Remote control" tão querido do Faustão), e adotou-se uma tendência pela escolha dos clips mais descomplicados. Segundo um produtor de clips, a fórmula ideal, hoje, para ser selecionado pela MTV é ter, num clip "40 por cento de imagens da banda, 40 por cento de uma historinha qualquer e dez por cento de garotas bonitas e com pouca roupa".
O legado mais profundo e mais perturbador da MTV, contudo, vai além destas superficialidades. Mais do que em qualquer outra era, os anos 90 estão despontando como a idade do visual como um fim em si mesmo. Uma das grandes discussões da América, hoje, é a questão dos shows dublados O público está sendo enganado quando paga 20, 30, 40 dólares para ver Madonna, Paula Abdul, Janet Jackson, MC Hammer ou Milli Vanilli dublarem seus próprios discos, em meio a uma apoteose de dançarinos, luzes e efeitos especiais? Provavelmente, não. Alimentado por imagens de música, numa era em que "música" representa não uma performance individual mas uma série de escolhas, sintetizações e colagens, o público quer ver exatamente isto, uma recriação tridimensional daquilo que a MTV lhe proporciona. Aquilo que as gerações anteriores admiravam no pop ou no rock - desempenhos individuais, a capacidade de tocar um instrumento, a singularidade de uma voz - tornou-se obsoleto num mundo sem instrumentos, sem intérpretes e sem compositores, um mundo operado por produtores, DJs e samplers, e expresso por coreografias, luzes e imagens. Um mundo perfeito para a MTV.
'BUZZ' É O MELHOR PROGRAMA
Entre as atrações que fazem parte da programação da MTV Brasil, no ar desde ontem (no Rio pela TV Corcovado) o destaque maior vai para o jornalístico "Buzz" (terça, às 21h30m, com reprise no domingo), uma co-produção do Chanel 4 inglês com a MTV americana, que mantém correspondentes em várias partes do planeta (Brasil incluído).
Ele não tem nada a ver com um programa jornalístico comum e impressiona pelo modo como trata os assuntos abordados sempre com pautas super criativas e que primam por não derrapar nas matérias, mesmo as "exóticas".
A principal característica de "Buzz" é sua edição alucinante (que pode irritar alguns), sua colagem de depoimentos e sua carga de informações por segundo (muitas delas por meio de legendas que correm em várias partes da tela), além de uma vinheta chamada "data", onde todo o tipo de cultura inútil é anunciado.
Depois de "Buzz", o programa mais interessante da MTV é "Earth to MTV" - por enquanto não incluída na programação brasileira -, que apresenta clips de todos os cantos do planeta como Japão (os grupos de ska japoneses são hilariantes), Israel, União Soviética etc.
Também estão de fora da programação brasileira os programas "Monty Python's Flying Circus", antiga série da TV inglesa com o extinto grupo de comediantes Monty Python dá fora do ar lá) e "The post-moderns", espaço que a MTV americana abre para as bandas alternativas. Seria o programa "Lado B" a versão nacional deste?
Dos outros programas que serão apresentados no Brasil é lamentável o curto espaço e o horário nada convidativo no qual o popular "Yo! MTV raps", será apresentado (domingo, meia-noite, e só), o mesmo acontece com "Fúria metal", que só aparece nas quintas-feiras, às duas da manhã!. Um modo de segregar o rap, o hip-hop e o metal na programação?
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 13715