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Jornal/Revista: ISTO É
Data de Publicação: 08/11/1989
Autor/Repórter:

BEM ENTENDIDO

Tevês incorporam a linguagem dos surdos-mudos

A novela O Sexo dos Anjos, da Rede Globo, introduziu no elenco de personagens televisivas um tipo pouco freqüente na telinha. Trata-se de Thomas, um jovem surdo interpretado por Marcos Frota. Thomas é namorado de Bia, também uma deficiente auditiva, vivida por Paula Boulamarque. Como os dois se comunicam pela linguagem dos sinais, a direção da novela resolveu utilizar legendas, traduzindo o conteúdo de seus diálogos.

A investida na linguagem dos sinais não pára nas novelas. Também os candidatos à Presidência Afif Domingos e Affonso Camargo, os telejornais e até mesmo o Xou da Xuxa passaram a se preocupar com esta nova fatia do público. No caso dos políticos, é certo que não se pode ignorar um contingente de três milhões de deficientes auditivos hoje existente no País, eleitores potenciais. Já nos programas televisivos, desde a primeira experiência deste tipo, ocorreu uma espécie de reação em cadeia. Tudo começou em 1986, quando o telejornal local da TV Bandeirantes do Rio de Janeiro, ao sofrer uma reformulação, abriu uma "janela" no lado direito do vídeo, em que as mãos do intérprete apareciam, traduzindo em sinais o que era dito pelo apresentador. Após um ano de experiência bem-sucedida, a sinalização saiu do ar "por motivos técnicos". Mas está sendo novamente implantada - primeiro no jornal local e quem sabe em rede nacional -, devido ao sucesso alcançado.

No vácuo da pioneira Bandeirantes vieram mais três emissoras - a TV Educativa do Rio, a Gazeta de São Paulo e a Rede Globo. Esta última, através do Xou da Xuxa, é a única a direcionar a tradução para as crianças. A sinalização é feita pela garota Tany Mary de Andrade, que desde maio participa do quadro de leitura de cartas, interpretando tudo que a rainha dos baixinhos diz para a linguagem dos sinais. Foi a própria Tany quem procurou a diretora do programa, Marlene Mattos, e se ofereceu para traduzir uma parte do Xou.

Outra experiência de sucesso tem sido o Jornal Visual da TV Educativa, canal 2 do Rio. Criado há um ano exclusivamente para os deficientes auditivos, o programa atendeu uma das maiores reivindicações da comunidade surda: um jornal diário na televisão. O Jornal Visual é apresentado por Paula de Almeida Cunha e Mônica Rocha Campos. As duas precisam ter a atenção redobrada, pois além de lerem as notícias no teleprompter - um monitor instalado nas câmeras para leitura de textos - devem, ao mesmo tempo, traduzi-las para a linguagem dos sinais. Essa foi a maneira encontrada pelo editor-chefe do programa, Luís Carlos Bittencourt, para atender também ao público ouvinte interessado. Das muitas dificuldades na realização deste jornal incomum, a principal ocorre na leitura diária do texto, feita antes do programa pelas apresentadoras. "Existem vários termos jornalísticos que não conseguimos sinalizar", conta a apresentadora Paula de Almeida Cunha. Isto acontece, por exemplo, com a expressão "pulmão verde", usada comumente para identificar a Amazônia. Não havia jeito de explicar isso na linguagem gestual. "Diante dessas situações, as palavras são trocadas rapidamente pelos redatores", explica Bittencourt.

A capacidade das apresentadoras na condução do telejornal acabou chamando a atenção da Rede Globo. Elas foram convidadas pelo diretor de telenovelas Roberto Talma para ensinar a linguagem de sinais aos atores de O Sexo dos Anjos. Para o ator Marcos Frota, cerca de 50% de sua performance deve ser creditada a elas. "Além de ensinar os gestos, elas me orientam quanto à conduta e às reações de um deficiente auditivo", diz Frota.

Nos programas políticos, nem todos aderiram à tradução simultânea. O candidato do PL Afif Domingos foi o primeiro a usá-la, fazendo de um de seus sinais sua marca registrada nas campanhas pelo voto. Antes mesmo de ir ao ar, Afif já levava seu garoto de sinais a tiracolo. Foi a receptividade nos encontros e palanques que o animou a seguir a experiência. O presidenciável Affonso Camargo, do PTB, passou a utilizar a mesma estratégia em seu programa de tevê. Afif e Camargo acreditam estar chegando mais próximo de um eleitorado pouco atingido pela mídia eletrônica. No espaço televisivo concedido a Afif, o tradutor está sempre presente. O de Camargo não aparece com tanta freqüência.

Fenômeno recente, de uma maneira ou de outra, a televisão - soma inseparável de imagem e som - está obtendo um feedback amparada apenas na imagem, o que é um dado considerável ao se dar conta de que este público corresponde a um total de 20 pontos de audiência.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 163177