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Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo Data de Publicação: 17/09/1995 Autor/Repórter: Luiz Costa
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ASTRO DO SBT SOLTA O VERBO EM DEFESA DO 'SANGUE DO MEU SANGUE'
Ele aponta falhas na novela e critica a chegada de Vicente Sesso para tirá-la da crise
Osmar Prado nunca teve a pretensão de ser galã. Primeiro, porque não tem o biotipo - é baixinho de 1m63 e ligeiramente calvo. De pois, porque desenvolveu um fascínio pelos heróis do fracasso. "Não pelos personagens fracassados'', ele explica mas os tipos fellinianos, tragicômico ou patéticos. "Eles dão fisionomia ao estado de cova rasa do Pais", justifica. Tem sido assim com o mau caráter Clóvis, gerente de banco que manipula meio mundo na novela Sangue do Meti Sangue, no SBT. E foi assim, com o descamisado Tião Galinha da novela Renascer, atualmente em reprise nas tardes da Globo.
Osmar Prado chegou no SBT para reinaugurar o núcleo de dramaturgia da emissora com a novela Éramos Seis. Foi um sucesso como o caipira Zeca, marido de Olga (Denise Fraga). Agora, em seu segundo trabalho, a alegria da estréia não se repete.
Nada contra o personagem mas sim contra as medidas que a emissora vem tomando para recuperar a audiência da novela. O fato, de o SBT ter chamado o autor da trama original, Vicente Sesso, para liderar a equipe de redatores é o que mais indigna Osmar. Famoso também por nunca ter sido de meias palavras, ele não considera Sesso bem-vindo. "Ele sequer quis conversar com o mesmo elenco que andou escorraçando na imprensa por ocasião da estréia da novela'', revolta-se.
Casado há seis anos com a atriz e bailarina Vânia Penteado, esse paulista de 48 anos é pai de três meninas. Aos 36 anos de carreira, também está em cartaz com a peça O Fabuloso Obsceno, de Dario Fo, no Teatro Itália, de São Paulo.
Telejornal - Sangue do Meu Sangue é um dramalhão que anda mal de audiência. Como você explica esta crise?
Osmar Prado - Crises em novelas são normais. Veja o caso de Renascer, de 1993. Ela estreou bem e lá pelas tantas foi perdendo audiência. Só melhorou quando Benedito Ruy Barbosa centrou fogo no núcleo do campo e deixou de lado as ações passadas na cidade. A Grande Família, que foi um fracasso no início, durou dois anos depois que o Oduvaldo Viana Filho passou a conversar com o elenco para corrigir falhas. Quando trabalhei em Chega Mais, em 80, vi como a Globo é ágil para lidar com situações desse tipo. Walter Negrão foi chamado para ajudar Carlos Eduardo Novaes na autoria e chegamos ao final com dignidade. Não nego que Sangue do Meu Sangue tenha problemas, mas sempre há como resolvê-los por meio do diálogo. E esse tem de envolver toda a equipe.
Telejornal - A chegada de Vicente Sesso pode reverter a tendência de queda da novela?
Osmar - Ele não é milagreiro e está bancando o salvador da pátria. A emissora quer resultados e infelizmente caiu no conto que esse senhor irresponsável e inescrupuloso vem propagando na imprensa. Qualquer um pode ter críticas à novela e dizer que nem todos os personagens estão bem desenvolvidos. Mas não há problema que não seja contornável com uma boa conversa. Sesso simplesmente arrasou com a produção, desde o início. Foi muito deselegante com atores e adaptadores. Se ele quisesse de fato cooperar, não agiria de forma tão leviana. Deixou claro que, na hora em que vendeu os direitos da história ao SBT, não soube negociar sua participação e depois saiu resmungando. Sangue é só um tijolinho em um muro maior, que é o núcleo de teledramaturgia, do SBT. Sesso tentou derrubar esse muro desde o início. Então, não há como respeitá-lo agora,
Telejornal - Que problemas você acha que têm de ser resolvidos na trama?
Osmar - Uma coisa que precisa ser considerada é a falta de ação no enredo. Há muitos diálogos, mas os personagens fazem parte de um universo pouco movimentado, em que as situações às vezes não se adaptam a eles.
Telejornal - Por exemplo?
Osmar - Outro dia, gravei uma cena em que Clóvis manda Rebecca (Jandira Martini) quebrar as louças da loja de Juca (Guilherme Leme). Um homem com a importância dele jamais se preocuparia com uma miudeza dessas para falir o outro. Sua posição permite um sem número de situações mais elaboradas para destruir um desafeto. Falta certa ousadia para os adaptadores lidarem com as possibilidades de cada personagem. Em Renascer, o casamento entre Maria Santa e o Coronelzinho foi feito num prostíbulo. O padre foi lá, celebrou a cerimônia e ainda fez sermão, dizendo que muitas são as moradas de Deus. Foi um sucesso, com aval da emissora. É preciso não temer a imagem família do SBT na hora de desenvolver um enredo.
Telejornal - Como você imaginou o personagem Clóvis?
Osmar - Não me propus viver um vilão de folhetim. Clóvis não é mal pelo prazer de ser mal. Sua ideologia é a dos seus interesses. Ele é fascinante porque é um camaleão, um fisiológico, um homem maquiavélico, que quer levar vantagem em qualquer estrutura de governo, seja República ou Império. Ele começa a carreira política sabendo que a Monarquia está com seus dias contados. E vai tirar proveito disso.
Telejornal - Clóvis é baseado em algum político real?
Osmar - Não especificamente. Desviaria a atenção do personagem se o público o olhasse como retrato de alguém em particular. Eu preferi fazer uma síntese de tipos, imprimindo minha marca.
Telejornal - Como consegue impor uma marca própria em meio à pressa com que é feito o trabalho na TV?
Osmar - Um ator, mesmo considerando o pouco tempo que tem para trabalhar um papel, não pode agredir a inteligência e a sensibilidade das pessoas. Ele pode influir na obra com a representação. Tracei o perfil psicológico do Clóvis do mesmo jeito que o do protagonista de Uma Rosa para Hitler, personagem que fiz no teatro em 1993. Pensei em Clóvis como um Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler. Sagaz, inteligente, com um objetivo que persegue de forma obstinada. Seres como ele são doentes, têm ambição desmedida pelo poder. Clóvis é vilão não por ter um espírito de porco. É um empregado de alto nível de um banco, que sonha ser o dono de tudo. Minha intenção é mostrar como essa compulsão quase sexual pelo poder pode levar um homem à deturpação de caráter.
Telejornal - As limitações que você apontou na novela atrapalharam esse exercício?
Osmar - De modo algum.Tive a vantagem de ter Henrique Martins como conselheiro. Ele é um dos diretores e foi o ator que representou Clóvis na primeira versão. Tem me dado muitos toques sobre como ter contenção para fazer o personagem. Fazê-lo mais contido é, uma dificuldade porque sou um ator expansivo. É aquele papo do Stanilavski: o ator deve usar o próprio cansaço na representação, pois quanto menos energia demonstrar. maior será o efeito da interpretação.
Telejornal - Você estreou na TV na primeira versão de Sangue do Meu Sangue, em 69?
Osmar - Esse foi outro dos venenos lançados pelo Vicente Sesso. Ele disse que eu me maquiava de negro para fazer uma ponta na versão da Excelsior porque queria insinuar algo do tipo: quem é este que fez uma ponta na primeira versão e hoje ousa ser protagonista. É preciso refrescar sua memória. Não estive no elenco da primeira versão e já era ator de TV há quase dez anos quando a novela foi ao ar.
Telejornal - E como foi o começo da carreira aos 11 anos?
Osmar - É, eu comecei menino, no filme Absolutamente Certo (1957) de Anselmo Duarte. Depois, fui para a TV e o teatro. Por uma temporada fiz dublagem, mas nada muito marcante. Fui a voz de Ryan O'Neill, na série de TV Caldeira do Diabo, entre 1967 e 68.
Telejornal - E a estréia como ator no vídeo?
Osmar - Foi em 1958, com David Copperfield, na TV Paulista, canal 5. Meu primeiro protagonista foi em Oliver Twist, de 1963. Fui para o Rio fazer novelas em 65. Em março de 1969, concluí minha participação em A Muralha, da Excelsior, em que fazia um homem do campo queimado pelo sol, contracenando com Osmano Cardoso. A confusão de Vicente Sesso talvez venha daí. Sangue do Meu Sangue estreou na mesma emissora naquele mesmo ano, só que no mês de fevereiro.
Telejornal - Renascer acusou uma das maiores audiências da Globo no capítulo que exibiu a morte de seu personagem Tião Galinha. O mérito foi seu?
Osmar - Aquilo foi um castigo para um executivo da emissora pelo mal que ele me fez. As forças que acompanharam Tião parecem ter ajudado. Não posso falar mal da Globo como um todo. Minha bronca é contra a forma como fui tratado por esse executivo. Meus contratos eram por obra realizada e, por duas vezes seguidas, a renovação ficou condicionada à condição de excluir a possibilidade de fazer teatro enquanto estivesse trabalhando em novelas. Por duas vezes consegui contornar, mas na terceira, quando estava em pleno sucesso como Tião Galinha, ele veio com a mesma lenga-lenga. Achei humilhante a forma como meu trabalho estava sendo tratado e decidi não renovar o contrato. Logo depois, pedi para Benedito Ruy Barbosa matar Tião Galinha. Assim, encerrei aquele meu ciclo na Globo.
Telejornal - Quais foram os personagens que marcaram sua carreira?
Osmar - Foi muito legal atuar como Tabaco, de Roda de Fogo, e Sérgio Cabeleira, de Pedra Sobre Pedra. Clóvis, com certeza, vai entrar para a lista, mas Tião Galinha é um dos mais sérios que fiz, digno até de estudos sociológicos sobre reforma agrária, exclusão social etc.
Telejornal - São todos tipos que espelham o fracasso...
Osmar - Adoro os tipos patéticos, que não dão ao público a ilusão da falsa história. Se Tião Galinha tivesse sido bem-sucedido em sua esperança de ter seu pedaço de terra, soaria falso. A via crucis de Tião atraiu pela veracidade do personagem.
Telejornal - Como vai a temporada de O Fabuloso Obsceno que você representa sozinho fazendo mil e um malabarismos no palco?
Osmar - A peça sai de cartaz no final do mês Ela tem sido interessante e minha carreira por confirmar uma imagem de protagonista no teatro, coisa que havia forjado em Uma Rosa Para Hitler, em 93. O que acontece com O Fabuloso Obsceno é uma coisa curiosa. Quem assiste, aplaude de pé, mas o publico não é suficiente para manter o espetáculo por mais tempo em São Paulo. No ano que vem, assim que acaba de gravar a minha participação em Sangue do Meu Sangue, vou reestrear no Rio.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 29588