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PUC-Rio
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Jornal/Revista: Jornal do Brasil Data de Publicação: 16/11/1980 Autor/Repórter: Maria Helena Dutra
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IMPRESSÕES SOBRE AS NAVES IRMÃS
A nave-mãe, a televisão americana, é sempre a mais comentada no Brasil. Dela sabemos muito, conhecimento repartido até pelo mais distraído dos espectadores. Mas existem também as irmãs com alguns lances semelhante e outros bem diferentes da nossa. Vamos a turísticas impressões sobre elas, começando pela Inglaterra.
Segue o modelo europeu estatal, três canais, apresenta alta qualidade nos documentários, em alguns trabalhos de ficção e extenso jornalismo. Exibe séries americanas antigas, tipo Kojak, e filmes de iguais procedência e idade. A cobertura esportiva é bastante grande mas diversificada. No pais criador do futebol, apresentam partidas completas de críquete, baseball e similares. Além das apaixonantes, para eles, corridas de bicicletas. No imenso pensionato que é Londres, tudo fecha à meia-noite junto com o metrô, ela também acaba cedo mas sua programação pequena, para os nossos moldes. é muito respeitada por sua audiência. Como em toda a Europa, televisão lã também é apenas mais urna fonte de distração e informação e nunca preferência nacional ou assunto predominante.
Mas até ela tem seus lances também. Nada mais engraçado do que um banco de ingleses, daqueles de nariz bem fino, fantasiados de cowboys americanos e catando Jambalaya. Paulo Bob se sentiria à vontade.
A televisão francesa é xingada pelo seu próprio público. Tem jornalismo regular, predominância quase total de seu cinema sobre o americano. Os filmes são na maioria antigos, misturando obras de arte, ciclos importantes de autores e intérpretes com a Marquesa dos Anjos. As séries americanas, dubladas, passam de tarde. De Bonança a Panteras. Apresentam alguns documentários artísticos de qualidade e fracos trabalhos de ficção.
Mas a programação diária dos três canais é monótona. Todos começam ao meio-dia, apenas no domingo se inicia às nove com programas religiosos, e acaba cedo. A sessão de meia-noite assim se chama porque termina a essa hora. E ainda tem apresentadora tipo nossas antigas garotas-propaganda com muito riso e mal-iluminadas. E jogos e concursos indecifráveis para os não iniciados, tipo Sílvio Santos, só que mais finos, e a mais extensa previsão meteorológica do planeta. Feita por um senhor de face grave que faz o maior sus pense com qualquer pingo de chuva ou raio de sol. O teleteatro que apresenta é diretamente do palco.
Pior é a gravação externa mais louca do mundo. Dirigida por Marcel Camus, famoso pelo Orfeu do Carnaval, era um western a vero filmado na França. Os heróis eram Harry e Jimmy, com acento na última sílaba, a decoração do forte totalmente rococó e todos se queixavam dos índios e do Oeste bravio. Os primeiros eram brancos Canal da Mancha e o segundo lindos bosques dos arredores de Paris. Nem a Tupi.
A televisão italiana é bem superior. Famosa pelas suas produções rigorosamente artísticas, pela democracia de informações, por ter programas com boas idéias, pelas preocupações regionais e por horrorosos musicais, Só não oferece luxo nem virtuosismo técnico. Dá enorme tempo para o esporte e suas discussões, feito nós, mas ao contrário da gente fornece mais espaço ainda para o jornalismo e assuntos culturais. Mas também faz das suas. Como trombetear como se fosse de extrema importância histórica um festival Diana Durbin. O americano realmente faz cabeças.
A televisão espanhola é fraquinha, dois canais, e com a eterna predominância americana em filmes e séries tipo Starsky e Hutch, Hawai 5-0 e Operação Resgaste. Mas tudo na parte da tarde assim como o Barrio Sesamo que por aqui foi Vila. No domingo, tem um Fantástico 80 muito parecido com o daqui, só que das cinco às seis e meia. A noite é toda nacional, com jornalismo regular, programas culturais e Grandes Relatos. Adaptação de obras literárias para a televisão em poucos e acadêmicos capítulos. Com o problema de ter várias línguas no pais, realizam transmissões regionais nos múltiplos dialetos. Pena não ter podido assistir à edição do Mundo Noche dedicado ao Brasil. Com as anunciadas participações de Las Freneticas, Juan Erasmo Mochi, Rita Lee y su conjunto Perros Y Gatos. Conhecem?
Mas quando se chega a Angola a impressão é pertencer à colonizadora nação. Todo o país pára duas vezes por semana de noite para seguir o Bem Amado. A novela, ainda. Paulo Gracindo e Lima Duarte são heróis nacionais e o público, que fala em sua grande maioria um português castiço e de bela pronúncia, já acrescentou ao seu linguajar os derepentemente e os safadistas de Odorico. A única injustiça que fazem é pensar que o autor é francês. Pobre Dias Gomes. Pena que toda a equipe dessa produção não receba um níquel suplementar por esse sucesso agora transmitido, em preto e branco e sem dublagem, pela Televisão Popular de Angola.
Uma organização muito nova surgiu depois da Independência que só tem cinco anos, equipada ainda pobremente. Mas com maquinaria vinda de todas as procedências, americana, japonesa, alemã, que não dá para entender como é codificada. Mesmo assim vai ao ar de sete às onze da noite, canal único, sem produção própria. Apenas filmam os espetáculos por outros montados. A imagem é pobre, não sabem sequer os rudimentos de posição de câmeras fazendo com que os locutores pareçam ter elefantíase. Possuem a única mulher, Guida, que já vi trabalhar como câmera no mundo. Pena que adore cortar cabeças ou pés de seus focalizados. De moto próprio tem apenas um jornal de uma hora de duração. Com editorial e apenas notícias que digam respeito a Angola. A censura é forte e a informação, manda seu regime, está no estágio de apenas doutrinar.
São exibidos filmes principalmente franceses e italianos com legendas. De muito fácil leitura. Eles compram os programas estrangeiros no MIP, espécie de feira localizada na Europa, e nunca diretamente das estações. Do Brasil adquiriram Gabriela, já transmitida, O Bem Amado, Carga Pesada e Plantão de Polícia. Não aceitaram o Casarão e Malu Mulher, "totalmente contrários aos nossos costumes". Também já exibiram alguns tapes do Alerta Geral e estão para transmitir os especiais de Chico Buarque feitos para a Bandeirantes. Toda a conversão, já que nossos sistemas são diferentes, é feita na Inglaterra.
Todas as instalações são precárias e é visível o desconhecimento técnico de seus operadores. Um campo no qual a cooperação com o Brasil poderia ser incrível, pensando na quantidade de desempregados por aqui, vítimas da TV Tupi e outros que lá seriam excelentes orientadores sem ter sequer a barreira da língua a separar.
Da televisão portuguesa a impressão foi deixada apenas por testemunhar a gravação de um programa. Excelente aparelhagem, teatro confortável, minucioso ensaio. Marcações rígidas e muito pouco jogo de cintura para dar calor a coisa toda. Parecido com aqui apenas o atraso geral e muito cacique mandando para pouco índio executar. O resultado foi um artista perguntar quando entraria no palco e o diretor dele responder: "Só Deus sabe." Somos mesmos parentes.
A televisão brasileira também continua igual. Dando, a Globo, de 10 a zero em padrão técnico em suas irmãs. Mas perdendo todas, de igual goleada, no sentido de unia orientação mais informativa e cultural. Este termo usado em seu sentido realmente muito geral. Não só falta a chamada grande arte mas também até um tratamento mais responsável para nossas tradições populares. O que Hermínio Belo de Carvalho fez no Rosa de Ouro, tratar o grande artista do povo com a maior dignidade, é o que mais a nossa nave está nos devendo.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 3587