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PUC-Rio
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Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo Data de Publicação: 16/05/1999 Autor/Repórter: Carla França
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QUANDO A DIVERSÃO DÁ EMPREGO
Gincana do 'Eliana no Parque' consegue fazer assistencialismo sem ser oportunista
O Eliana no Parque, da Record, começa a mostrar que programa de auditório pode ser mais do que entretenimento familiar. A atração ressuscita a fórmula do Domingo no Parque, gincana de Silvio Santos do fim dos anos 70. Na versão de Eliana, a diversão busca atender causas nobres. "Incluí competições que não só divertam, mas ajudem as pessoas", diz Eliana. "É um desafio, pois não é fácil ver um pai de família desempregado, chorando."
Entre as diversas provas disputadas por dois colégios, há três de cunho beneficente. São as que valem mais pontos. Cada escola tem de providenciar trabalho, com registro profissional, para um desempregado. Deve, ainda, dar bolsas de estudo e a maior quantidade de alimentos não perecíveis, distribuídos pela Associação Beneficente Cristã (ABC). A idéia, segundo o diretor-geral do programa, Wanderley Villa Nova é lançar, no inverno, uma campanha do agasalho, no lugar da de alimentos.
A produção de Eliana acompanha tudo passo a passo e exibe a entrega dos alimentos às entidades. "Fazemos questão de dar satisfação ao público", diz Eliana.
Desde a estréia em março, num total de 16 edições, incluindo a de hoje, às 14h30, o programa conseguiu, com os colégios, recolocar 14 desempregados no mercado de trabalho, entregar 16 bolsas de estudo e arrecadar 64 toneladas de alimentos. Parece pouco se comparado ao número de desempregados (só na Grande São Paulo - 1,72 milhão), de crianças na rua e da fome. Mas é um passo significativo para um canal habituado a usar a pobreza de forma apelativa em suas atrações.
Oportunidade - A cada 15 dias, o produtor Rubens Bueno Villalba vai à sede do Centro de Solidariedade ao Trabalhador, ligado à Força Sindical, no centro da capital, selecionar interessados. Na fila por um emprego há 320 mil pessoas. A entidade conseguiu recolocar no mercado, desde sua criação em julho, cerca de 120 mil. Diariamente, 4 mil procuram o Centro. "É uma iniciativa positiva, levanta o astral e dá esperança", diz o coordenador-geral Tadeu Moraes de Souza. "Um monte de gente nos procura, mas não somos nós que selecionamos, pois a produção do programa fala com os trabalhadores."
Depois de selecionar os candidatos, a produção entra em contato com os colégios e envia os currículos. Os empregadores têm de contratar automaticamente, sem submeter o candidato a testes ou treinamentos. "Só tivemos um mal-entendido, mas foi resolvido", diz Villa Nova. "A gente pede aos candidatos que nos passem mais de uma opção de emprego", diz Villalba. O trabalho prossegue na casa do trabalhador, que terá sua vida levada ao ar por meio de um clipe.
Casos - O vigilante maranhense Raimundo Antônio Teixeira de Souza, de 37 anos, estava desempregado havia um ano. Cansado de preencher fichas sem receber retorno, ele se cadastrou, há dois meses, no Centro de Solidariedade ao Trabalhador. Foi selecionado pela produção do programa há duas semanas. No período em que ficou parado, além de perder a mulher, que voltou para São Luís com sua filha, e ter de morar de favor na casa de parentes, Souza engordou: de 90 quilos passou a 130. "Quem é que vai querer um vigilante gordo?", desafia. Minutos antes de gravar sua participação no programa, segurando o choro, Souza disse que a primeira coisa que fará ao voltar ao batente é um regime. "Devia haver mais programas como esse."
O motorista Cesar Roberto Possebon San Martin, de 33 anos, esperou só duas semanas, desde que se cadastrou no Centro. Ele não sabe o que é trabalhar com carteira assinada há dois anos. Fez de tudo, até mudou-se para sua cidade, Ribeirão Preto. "É pior do que aqui", diz. "Quem segurou as pontas foi minha mulher, que é manicure."
San Martin ficará como inspetor de alunos no próprio colégio, para garantir a pontuação na gincana. Depois, deve exercer a profissão que mais gosta, a de motorista. "Não vejo a hora de começar", diz. Souza e San Martin ganharão cestas básicas durantes seis meses.
Dúvidas - O critério para a doação de bolsas de estudo chega a ser duvidoso. Até agora, só participaram colégios particulares. Há casos de adolescentes que nem estavam à margem do ensino. Segundo Villa Nova, o regulamento diz que o aspirante só não pode estudar no colégio. "Muita gente paga mensalidades com dificuldade, quem não gostaria de ganhar uma bolsa?"
O estudante da 7ª série Anderson Clayton de Souza Soares, de 13 anos, deixou sua turma no Magister, no ano passado, pois seus pais não podiam pagar. Estava num colégio estadual até ser premiado no Eliana. "Falam que ensino público é atrasado, mas não é tanto", diz ele, que ganhou bolsa no antigo colégio e retorna a sua turma.
De olho no vestibular, Gilberto Gouveia Filho, estudante do 1º colegial de uma escola do Estado, pesquisou preços no ensino particular. Há um mês, deixou seu nome no Maria José, que fez contato com ele ao saber do programa.
Assistencialista sem ser oportunista e apelativo, o Eliana no Parque atinge médias de 6 pontos no Ibope e mostra que é possível divertir e investir em cidadania. "A intenção é continuar a fazendo esse trabalho, que já é um sucesso."
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 47998