![]()
PUC-Rio
![]()
Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo Data de Publicação: 29/10/1995 Autor/Repórter: Eduardo Elias
![]()
EX-DARK SE PREPARA PARA LIBERAR SUA PORÇÃO MULHER NO SBT
À beira da morte, seu personagem Fabrício, de 'Sangue do Meu Sangue', revela que é Cecília
Fabricio é, na verdade, Cecília. E, na verdade, Cecília é Bete Coelho. Assim como sua personagem em Sangue do Meu Sangue, essa mineira de 33 anos é uma mulher que aceita correr riscos para atingir seus objetivos. "o que eu mais gosto no Fabrício é o fato dele ser mulher", diverte-se. Ri do que para outras atrizes seria um tormento. Talvez porque personagens masculinos não sejam novidade para a musa talhada pelo teatro de Gerald Thomas. Mas daí a transpor o desafio para o horário nobre e em rede nacional foi um passo enorme. E ela continua querendo mais. "Queria mais conflito entre os elementos masculinos e femininos", diz. "Às vezes, Fabrício fica muito confortável nas suas vestes masculinas".
Quando a autoria da novela passou para Vicente Sesso, viveu momentos de apreensão. Declarações do autor davam conta de que seu personagem seria cortado. No entanto, um mês depois da chegada de Sesso, Fabrício está cada dia mais importante na trama. Conta a história de Cecília, que se travestiu para poder freqüentar a Faculdade de Direito (o que era proibido para mulheres no século passado) e que acaba se apaixonando pelo amigo Ricardo (Rubens Caribé) — um amor duplamente platônico que em breve vai virar romance.
Telejornal — Em éramos seis, você foi uma esnobe que se humanizou. Agora, é uma abolicionista que se faz passar por homem. Qual a diferença entre suas preparações para os dois trabalhos?
Bete Coelho — Tive um embasamento maior desta vez. Pude me preparar melhor, pois vários capítulos já estavam escritos. Fabrício foi inspirado em George Sand, escritora francesa que foi amante de Chopin e que eu sempre admirei. Além de ler alguns de seus livros, vi dois filmes que tinham histórias semelhantes: Yentl, com Barbra Streissand, e Second Serve (Jogo Perigoso), com Vanessa Redgrave.
Telejornal — Não é estranho desenvolver o papel escrito por dois autores e passar a interpretá-lo sob o comando de outro?
Bete — É um pouco. O que aconteceu é que a mudança nos pegou de surpresa. Causou certa apreensão. O elenco não teve muito contato com o Vicente Sesso antes da sua chegada. Ficamos inseguros quanto a nossos contratos e aos rumos do trabalho. Mas tudo bem, o ator tem de ter esse dom de adaptação, essa capacidade de suavizar as coisas.
Telejornal — O que Vicente Sesso mudou no Fabrício?
Bete — O Sesso está quase estabelecendo um romance entre Fabrício e Ricardo. Não sei se os outros autores fariam o mesmo. Provavelmente sim, pois o romance já estava previsto.
Telejornal — Sesso disse que Fabrício "não enganava ninguém" e que tinha intenção de tirá-lo da novela. Ele disse isso a você?
Bete — Não tivemos contato antes dele assumir a autoria. E não dá para saber se aquilo que é publicado realmente foi dito. O que ele me disse pessoalmente foi que nunca havia dito essas coisas e que adorava o personagem.
Telejornal — Todas estas dificuldades chegaram a atrapalhar seu desempenho?
Bete — Chegou um momento que sim. Foi quando ele começou a redirecionar os conflitos. Eu me senti sem saber aonde ir.
Telejornal — E agora, como está o clima entre os atores?
Bete — Estamos mais tranqüilos. A novela passou por um período de desequilíbrio mas já adquiriu ritmo próprio. Ninguém melhor que o Sesso para definir os rumos da trama pois a novela é dele. Este foi o argumento que nos deram e não há como não concordar com ele.
Telejornal — E o romance entre Fabrício e Ricardo?
Bete — Deve acontecer um beijo no asfalto (lembrando a peça de Nélson Rodrigues). Fabrício vai levar um tiro e ser socorrido por Ricardo. Neste momento de fragilidade, à beira da morte, vai revelar a verdade. Acho que é um momento bacana para isso acontecer.
Telejornal — Qual a relação entre os personagens masculinos que você fez no teatro e o papel atual?
Bete — De modo geral, eles são muito diferentes. Na TV, sou mais cuidadosa na masculinização, evito clichês e maneirismos que possam caricaturar a personagem. Eu me preocupo em não deixar transparecer a mulher que sou, mas não tento fazer um homem. Só esconder a mulher. E por aí que tenho caminhado.
Telejornal — Você acha importantes as cenas em que se deixa claro que Fabrício é uma mulher?
Bete — Para o público, sim. As pessoas têm de acreditar sabendo que não é. Só assim, podemos atingir o objetivo da personagem. Senão vira uma farsa.
Telejornal — Quando Fabrício está só no quarto, há todo um jogo de sensualidade. Como encara este tipo de cena?
Bete — Sem problema algum. Eu fiz Macunaíma, rodei a Europa inteira interpretando índio. Lido com isso da mesma maneira que digo uma frase. Não trato uma frase com displicência, sei o valor de cada verbo, de cada inflexão. Da mesma maneira eu trato o meu corpo. Ele é tão valioso quanto a minha palavra. Não quero que um pese mais do que o outro. E hoje me sinto totalmente equilibrada.
Telejornal — Você já foi a musa dark dos palcos. Isto foi bom ou incomodou?
Bete — Desde a Grécia Antiga, musa é algo inspirador. Por isso, só tenho a agradecer por esse e outros títulos que me deram como o e a tradução do teatro de Gerald Thomas e musa dos concretos.
Telejornal — Para você, acostumada a personagens exóticos no teatro, como é lidar com o naturalismo das novelas?
Bete — Não sou naturalista até porque minha natureza não me permite. Prefiro o caminho árduo, das torturas. Por isso, na TV, tenho de me policiar o tempo todo para não ficar over.
Telejornal — Então você prefere personagens instigantes?
Bete — Quem trabalha comigo e me convida para fazer um trabalho já sabe que não vou caber numa mocinha que vai se casar e ser feliz para sempre. Que só topo fazer o que ofereça algo a mais, para mim e para as pessoas. Trago isso do teatro, vinculado à minha maneira de criar, sempre com riscos. Eu me dou o direito de errar. O SBT, por enquanto, tem me dado essa oportunidade de arriscar, de jogar com o desconhecido.
Telejornal — Você já se sente totalmente adaptada à TV?
Bete — Estou muito mais enquadrada, mais acostumada com o tamanho da TV. Mudei muito da minha primeira novela (Vamp, Globo, 1991) para agora e acho que consegui desenvolver uma credibilidade grande. Estão me dando personagens difíceis. Como o Fabrício.
Telejornal — O fato de estar ainda aprendendo torna o trabalho ainda mais estimulante?
Bete - Torna. Cada dia descubro uma coisinha, aprendo um detalhe com um ator, vejo as cenas e melhoro. Eu me envolvo, converso com o diretor, fico magoada se algo dá errado. Tenho vontade de conversar até com Sílvio Santos, dar sugestões. É uma delícia e se fosse diferente não estaria fazendo.
Telejornal — Como lida com o assédio dos fãs?
Bete — As pessoas me param bastante na rua e isso, graças a Deus, já vem desde o teatro. Claro que na TV o impacto é bem maior. Ás vezes, é um incômodo, até me assusta, fico envergonhada, porque sou muito tímida. Não gosto de ser observada. Mas as pessoas têm todo o direito: estou me expondo.
Telejornal — Você vê muito TV?
Bete — Não. Nem sei do que a maioria das novelas trata. Televisão pode ser uma grande perda de tempo. Você tem de torná-la útil: só ligar quando realmente quiser ver alguma coisa específica. Deixá-la entrar sistematicamente no seu cotidiano pode ser infernal.
Telejornal — Você tem fama de disciplinada. É justa?
Bete — Gosto de cumprir os horários, chegar para gravar com os textos bem-decorados, com tudo pensado. Fico atenta com a voz e com o corpo. Mas minha disciplina consiste mesmo em buscar tempo para não fazer nada: só pensar, ler, estudar, olhar para o céu. Só com esse tempo, é que consigo criar.
Telejornal — Estar bem-casada (com Luís Frias, diretor da Folha de São Paulo) e atuando na TV fez você amadurecer?
Bete — Amadurecer não. Envelhecer. O tempo está passando e cada ruga nova é uma velha história que vem por aí. A gente vai crescendo espiritualmente e mentalmente e perdendo imaturidade, impulsos e desequilíbrios. Mas não me sinto madura Me sinto mulher, com corpo atitudes de mulher, mas menina no sentido de molecagem, na maneira de olhar o mundo. Eu me sinto como uma nova velha Ou uma velha nova, algo assim.
![]()
Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 48372