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PUC-Rio
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Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo Data de Publicação: 19/02/2003 Autor/Repórter: Cristina Padiglione
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FICÇÃO REALISTA ATROPELA 'MULHERES'
Por tentar ser muito fiel ao cotidiano, nova novela da Globo expõe as falhas mais evidentes
O realismo que Manoel Carlos tenta dar ao seu novo folhetim é de impressionar. As pessoas bebem cafezinho num balcão e pagam a conta. Os homens vão tomar banho nus - e não apenas da cintura para cima, como mandam os planos de câmera pudicos dos diretores mais conservadores. Os acontecimentos têm simultaneidade: um personagem é apresentado numa seqüência de ações, enquanto outro faz isso ou aquilo, e o dia ganha cronologia de vida real.
É justamente por isso que os tropeços de produção saltam aos olhos. Falha de continuidade das mais grosseiras ocorreu com Julia Almeida, a Vidinha, quando o carro do pai, Cláudio Marzo, encrenca no meio da estrada. Close nela, de cabelos sequíssimos, dentro do carro. Corta para a moça descendo do automóvel, já de cabelos encharcados. Outra: Leonardo Miggiorin, o filho do impaciente José Mayer, empolgado com a dramaticidade da seqüência em que chora sobre o caixão da mãe, sob a chuva (de novo a chuva!), aperta seus lábios contra o rosto da morta, e este estampa a elasticidade de uma pele viva. É evidente que não esperávamos ver ali a rigidez cadavérica de um defunto de verdade, mas a direção pecou em evitar gestos que comprimissem as marcas do rosto da atriz (Chris Bonna), apesar de ela própria ter resistido bravamente àquela pingação toda.
Também é improvável que o bom hospital para onde a Helena de Christiane Torloni leva sua empregada para parir não tenha tirado o esmalte de suas unhas, exigência de praxe para as grávidas a caminho da sala de parto. E que calma era aquela de Helena, diante da moça que já vinha sentindo contrações desde a madrugada? É uma mulher Marie Claire demais para ser real.
O exagerado bom humor de uns, no entanto, é necessário para garantir a atenção da platéia maciça diante das feridas a serem chafurdadas. É essa a função dos velhinhos (Louzadinha e Carmen Silva), desprotegidos, não pela sociedade apenas, mas dentro da própria casa.
O grande trunfo da novela chama-se Suzana Vieira. O texto é ótimo, a personagem, idem, mas o mérito maior é da própria atriz.
Com uma hora e meia de duração e 45 pontos de audiência em São Paulo, o primeiro capítulo cumpriu sua função técnica: apresentar os personagens, o cenário, o ritmo da história e atiçar a platéia para o day after. O encerramento do capítulo foi perfeito: o noivo (Rodrigo Santoro) é flagrado com a prima, aos beijos, (Camila Pitanga) pela noiva (Paloma Duarte).
E uma leve insinuação do autor, somada a uma das belas fotos que ilustram a abertura da novela, indicam que Manoel Carlos não fará exclusões ao tema do folhetim. Mulheres apaixonadas assim o são nas mais diversas circunstâncias: por homens, filhos e, por que não, por outras mulheres.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 85910