![]()
PUC-Rio
![]()
Jornal/Revista: Jornal do Brasil Data de Publicação: 23/02/2003 Autor/Repórter: Gabriela Goulart
![]()
O PILOTO DO HORÁRIO NOBRE DA TV GLOBO
Com 69 anos, o autor Manoel Carlos abandonou o relógio há pelo menos uns 35. Na sua rotina de escrever tramas para a TV Globo, não tem hora certa para dormir, acordar, almoçar, jantar. Como diz, é um ''anárquico''. Só se for na rotina mesmo. De resto... Desde que estreou, há uma semana, a sua Mulheres apaixonadas, acertou os ponteiros da audiência no horário nobre da emissora, que seguiam fora do fuso com Esperança, antecessora escrita por Benedito Ruy Barbosa.
O motivo? Na visão do público, vem pela história contemporânea, mais de 100 personagens, referências ao Rio, ganchos e dramas profundos por trás de frágeis fachadas. Na do autor, a liga sai da básica boa história, distribuição adequada de papéis, blablablá. Um blablablá de quem escreve para a TV desde os 18 anos e compara a estréia de uma novela à subida de um Boeing. Difícil não levantar vôo.
- Mulheres apaixonadas vem mantendo uma média de audiência em torno de 45 pontos, meta da Globo para o horário e bem acima dos 30 pontos de Esperança. O senhor acha que isso indica que tramas contemporâneas têm agradado mais o público?
- O que agrada é uma boa história, bem realizada, seja de época ou atual. Nos dois casos, pode-se atrair o público: pelo distanciamento ou pela proximidade. Mas o que pega é a emoção do que está sendo contado, os ganchos, os assuntos polêmicos que vazam para as conversas na escola, no trabalho, nas ruas.
- O senhor se sente pressionado diante da expectativa de ter que retomar a audiência do horário?
- Eu me sinto pressionado por mim mesmo. Me exijo muito, quero que a novela faça sucesso. A pressão da emissora não existe como fator isolado. O autor, qualquer um, é que se sente obrigado a dar certo.
- Os personagens das atrizes Suzana Vieira e Paloma Duarte se destacaram. Isto era previsto?
- São duas excelentes atrizes, que merecem esse destaque, mas achei o resultado homogêneo. Existem, obviamente, melhores oportunidades para uns do que para outros, mas isso vai variar a cada capítulo.
- A partir do que o senhor viu no ar pretende valorizar alguma coisa que não tinha pensado quando a trama estava no papel?
- Por enquanto não. Mas gosto de ver e no dia seguinte escrever já aproveitando o que vi. Volto atrás quando é necessário, escrevo adendos, reescrevo capítulos. Pra você ter uma idéia, em 12 capítulos substituí 2 integralmente.
- O senhor é conhecido como um autor do cotidiano. Retrata sempre o Rio, foco no Leblon. Por que escrever sobre o universo em que vive em vez de olhar com estranhamento para outros?
- Foi uma opção. Um caminho que tomei há quase 50 anos: escrever sobre o dia-a-dia, as coisas triviais e até banais, onde temas complexos se abrigam muitas vezes sem causar suspeita. Sabe aquela família vizinha, tão equilibrada, tão gentil, que um dia você vê na porta um carro de polícia e fica sabendo que o vizinho gentil matou a família toda? Ou que o rapaz da casa, sorridente e bonito, espanca a mãe? Ou que a criança que criam, dizendo ser uma órfã, é na verdade filha da adolescente da família? É por aí.
- Geralmente você aborda temas polêmicos. Por quê?
- Esta novela pretende ser um painel contando várias histórias. Um mosaico, melhor dizendo. Muitos temas, agora provavelmente polêmicos, mas não garantidamente, porque nunca temos certeza. Muitas vezes, coisas que nem sequer suspeitávamos caem nas graças do público.
- Por que escrever sobre as relações cotidianas do ponto de vista da mulher?
- Acho a mulher a mola do mundo. Uma delas, como o dinheiro e o poder. Tudo pode partir de uma mulher. Acho também que as mulheres são mais honestas com seus sentimentos, confessionais, capazes de maiores sacrifícios do que os homens. Foram também, por muito tempo, reprimidas e oprimidas, o que lhes dá uma altivez expressiva. Isso sempre me cativou.
- O senhor sempre repete alguns atores em suas tramas, inclusive nos papéis coadjuvantes. É mais fácil escrever pensando em quem vai interpretar?
- Participo da escalação integral dos papéis. Quem você vir na minha novela, mesmo que seja numa pontinha, esteja certa de que eu vi antes e aprovei. Não escrevo novela para quem não conheço e muito menos para quem não admiro.
- O senhor sempre batiza suas protagonistas de Helena. Por quê?
- Helena, de Machado de Assis, foi uma das primeiras histórias que adaptei para a televisão. Isso em 1952, portanto há 51 anos. Depois disso, por gostar muito de mitologia, meu interesse voltou-se para Helena de Tróia, uma das mais fascinantes figuras mitológicas. E por fim, acho um nome bom, sonoro, forte.
![]()
Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 86048