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PUC-Rio
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Jornal/Revista: O Globo Data de Publicação: 31/03/2003 Autor/Repórter: João Máximo
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PERSONAGEM INVISÍVEL BRILHA NA NOVELA DAS OITO
Uma personagem invisível, mas importante, presente, bonita e sedutora, vem pontuando as melhores cenas de "Mulheres apaixonadas": a música. Não só as canções que acabam de ser lançadas num CD, o primeiro duplo dedicado a uma trilha de novela, mas principalmente a música incidental inspirada nas canções.
- Sou um apaixonado pela música brasileira - confessa o autor Manoel Carlos. - Isso me tem ajudado muito na linha narrativa de minhas novelas mais recentes, "Por amor", "Laços de família" e esta.
- A música, em geral, é essencial em qualquer dramaturgia, sobretudo na de Manoel Carlos - confirma Ricardo Waddington, o diretor das três novelas citadas pelo autor. - Em "Mulheres apaixonadas", ela é a paixão que o inspira e nos motiva. Ao mesmo tempo, é uma forma de impedir que esse rico patrimônio cultural, que é a música brasileira, seja esquecido, perca-se.
- Maneco é um contador de histórias - diz Alberto Rosenblit, músico responsável pela parte incidental da trilha. - Ricardo quer que tudo, o cenário, o figurino, a luz, e, principalmente a música, ajude Maneco a contar suas histórias.
Autor, diretor e compositor formam, na verdade, um trio coeso, que está junto há anos. A qualidade musical, seja das canções mais comerciais escolhidas em acordo com o diretor musical da Rede Globo, Mariozinho Rocha, seja dos temas de fundo nelas inspirados, é praticamente um trabalho dos três. Em "Mulheres apaixonadas", o fato de um dos principais personagens ser músico é sugestivo.
- Sempre que penso minhas novelas, trato de escolher profissões para os personagens - diz Manoel Carlos. - Assim como fiz desta nova Helena (Christiane Torloni) uma professora, quis que Téo (Tony Ramos) fosse músico. Seria um pianista, mas como a novela do Benedito ("Esperança", a que antecedeu à atual) já tinha pianista, optei pelo sax. Muito influenciado por minha última temporada em Nova York, onde ouvi muito jazz e sax.
PAIXÃO PELA ARTE DOS SONS COMEÇOU CEDO
Tony Ramos é Téo, um milionário que multiplicou a fortuna que o avô lhe deixou e no entanto vai se realizar profissionalmente como saxofonista do grupo que toca no Nick Bar, uma boate de hotel.
- Téo se realiza também emocionalmente - acrescenta o ator. - A música é seu escape, o que o ajuda a conviver com os mistérios de sua vida passada e com as dores de um presente não resolvido.
Tony Ramos é outro do elenco de "Mulheres apaixonadas" que adora música. Quando os pais se separaram, ele tinha 4 anos. Um irmão de sua mãe, o tio Clóvis, uma espécie de substituto da figura paterna, foi quem lhe ensinou que letra e música eram bens fundamentais. Quando o menino fez 7 anos, o tio lhe disse: "Você chegou à idade da razão". E presenteou-o com um exemplar de "Dom Quixote" e um piano Schwartzmann comprado a prestações.
- Infelizmente, parei de estudar cedo - lamenta. - Mas jamais me afastei da música. Gosto de jazz, bebop, ragtime, e também de Brahms, Mahler, Beethoven. Amo a música brasileira, sou um chorão, fã de Pixinguinha e Nazareth.
O ator conta que, quando Manoel Carlos o informou de que seu personagem seria um saxofonista, chamou o músico Renato Franco à sua casa, pediu que tocasse seu sax e se pôs a gravá-lo em sua câmera MiniDV.
- Com close em seus dedos, em sua respiração, em seu modo de empunhar o sax. Para entender a maneira como um saxofonista abraça seu instrumento. Precisava dar a Téo uma humanidade que não dependesse do sax - diz, sabendo que há quem estranhe Téo ser tão rico como saxofonista de boate. - É preciso entender melhor este personagem. É um milionário que deixa tudo para trás, a escola que herdou, a sociologia e as letras em que se formou, para viver sua alma boêmia como músico. Não faz isso por dinheiro, mas por amor, por paixão.
Quanto à trilha da novela, Tony Ramos a vê afinada com todo o elenco, cada um com sua música.
- Uma coisa é você gostar de música e ser, por exemplo, um dançarino, um instrumentista. Outra é senti-la como um movimento de sua alma. Eu procuro viver Téo como quem segue um movimento orquestral, allegro , allegro vivace , adagio - conta o ator.
TUDO É ORQUESTRADO PELO 'INSEPARÁVEL TRIO TERNURA'
A música assessorando a narrativa é parte do estilo de Manoel Carlos. Que deu o nome de Nick Bar ao local onde Téo se apresenta em homenagem à casa paulistana que freqüentou no passado. Também foi exigência sua que os músicos que estão no palco com Téo, mesmo sem tocar, sejam de fato músicos, entre eles o admirável pianista Laércio de Freitas no papel de marido da cantora Pérola (Elisa Lucinda), ex-mulher de Téo.
- É que toda a música ouvida ali é pré-gravada - esclarece o músico Alberto Rosenblit - Escrevo os arranjos que são tocados por Glauton Campello (piano) , Marcelo Martins (sax) , Jessé Sadoc (fluegelhorn) , Jorge Helder (baixo) e André Tandetta (bateria) , para depois Tony e os outros fingirem que tocam.
Waddington completa:
- Tudo parte, realmente, de Manoel Carlos. É ele quem idealiza o personagem e a música que lhe corresponde. A bossa nova, claro, é o que dá o clima dessa novela carioca, passada no Leblon. Temos coisas de Jobim, Marcos Valle, Donato, Johnny Alf, Caymmi, Menescal e Bôscoli, Vinicius.
Manoel Carlos chegou a pedir a Chico Buarque para escrever um tema original para a abertura da novela. Chico, às voltas com seu novo romance, prometeu atendê-lo em seu próximo trabalho.
- Eu disse ao Chico: "Está bem, mas faço a abertura com sua irmã (Miúcha cantando 'Pela luz dos olhos teus' com Jobim) e uso 'Sem fantasia' com você e Bethânia".
Manoel Carlos tem outras idéias musicais para a novela. Uma delas, fazer João Donato ir ver Téo no Nick Bar e, quem sabe, dar uma canja. Outra, aproveitar melhor o talento musical de Laércio de Freitas:
- Desde o início, quis que o marido de Pérola fosse vivido por um músico de verdade - revela o autor.
Tudo na novela passa pelo crivo do autor - Quando Manoel Carlos fala na primeira pessoa sobre o elenco de sua novela, não faz mais do que expressar a verdade: é exigência contratual sua que tudo, cenários, figurinos, elenco, música, parta dele ou tenha sua aprovação. Sobre o elenco, conta:
- Pronta a sinopse, trouxemos fitas e mais fitas para minha casa, eu, Ricardo, o diretor de elenco, Luís Antônio Rocha. Ficamos estudando os atores até as cinco da manhã.
Já Waddington, segundo Rosenblit, é diretor exigentíssimo em relação à música. Ao ouvir o tema incidental para esta ou aquela cena, vê se ele se adapta ou não. Pode até exigir que o compositor o refaça ou altere o seu clima. Waddington comenta:
- É preciso que ela se case com o traço psicológico do personagem ou com o tom da cena. Observar isso não é trabalho só meu, mas de nós três, Maneco, Rosenblit e eu. Somos, desde "Presença de Anita", o inseparável "Trio Ternura".
O qual, garante Manoel Carlos, não vai parar por aqui.
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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 86886