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Nova Consulta

Jornal/Revista: O Globo
Data de Publicação: 12/07/2003
Autor/Repórter: Luiz Ernesto Magalhães

PREFEITO INTERVÉM DA ESPANHA NA NOVELA DAS 8

BARCELONA e RIO - Uma autorização pedida pela TV Globo à prefeitura para gravar no Leblon as cenas em que a personagem Fernanda, interpretada pela atriz Vanessa Gerbelli, morrerá vítima de bala perdida se transformou numa verdadeira novela. Como informou ontem Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO, os técnicos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio) negaram o pedido com o argumento de que a interdição de uma rua para a gravação da cena de “Mulheres apaixonadas” — uma troca de tiros entre policiais e bandidos — poderia provocar pânico nos pedestres e tumultuar o trânsito.

O veto foi mantido até à noite, quando o prefeito Cesar Maia, de Barcelona, decidiu intervir na questão, àquela altura já interpretada como uma tentativa de censura velada. Da Espanha veio a contra-ordem do prefeito:

— Autorizei a filmagem. Censura nunca mais.

Chefe de gabinete da CET sugeriu gravação no Recreio

De acordo com Cesar, a autorização fora dada à Globo ainda de manhã. Até a noite, porém, os responsáveis pela liberação das filmagens desconheciam a orientação. Sem saber da ordem, o chefe de gabinete da CET-Rio, Dalny Scausas, disse que a prefeitura iria liberar as gravações, desde que numa via de pouco movimento, de preferência fora da Zona Sul. Dalny sugeria que as gravações fossem feitas na orla do Recreio ou na Praia da Reserva, que está interditada ao tráfego devido às obras do Eco-Orla.

Independentemente do desfecho, a negativa de autorização provocou polêmica durante todo o dia:

— Um personagem morrer de bala perdida retrata uma realidade do Rio. Pode acontecer em qualquer bairro. Vetar gravação é uma vergonha — criticou Clayde Prado Maia Santiago Ribeiro, mãe da adolescente Gabriela Prado, que morreu em março, aos 14 anos, atingida por uma bala perdida no Metrô da São Francisco Xavier.

A novelista Glória Perez também criticou a decisão, horas antes da intervenção de Cesar:

— É patético que as autoridades se preocupem com o destino de um personagem quando temos pessoas de verdade morrendo abatidas por balas perdidas. Até parece que, ao proibirem uma cena de ficção, vão conseguir corrigir os problemas da vida real.

O autor da novela, Manoel Carlos, também reagiu com indignação, antes da reviravolta do caso:

— É uma censura ridícula. Eles estão mais preocupados com a ficção do que com a realidade e parecem achar que bala perdida só acontece em Campo Grande, Caxias. Ontem mesmo (noite de quinta-feira), na Avenida Niemeyer, a quatro quadras da minha casa, houve um tiroteio.

O diretor-geral da novela, Ricardo Waddington, chegou a garantir que a produção faria todo o possível para obter a autorização para gravar a cena numa rua do Leblon:

— Várias vezes fizemos cenas nas ruas do Rio e sempre contamos com o apoio da CET-Rio e das subprefeituras dos bairros. Nunca tivemos problemas.

O subprefeito da Zona Sul, Cláudio Versiani, explicou que o fato da emissora não ter informado no ofício o horário, o local e a data em que a cena seria filmada também contribuíram para que o pedido fosse vetado inicialmente:

— Já autorizamos cerca de cem gravações de “Mulheres Apaixonadas” no Leblon sem qualquer restrição. Mas há situações em que o mais recomendável é o veto. Não autorizamos a simulação de um engarrafamento da mesma maneira que não permitiríamos a realização de filmagens no Arpoador num fim de semana de verão. Seria o caos.

O presidente da Associação de Moradores do Leblon, João Fontes, diz, no entanto, que as autorizações anteriores mostram que era possível desde o início autorizar a filmagem da morte de Fernanda:

— A novela mostra uma realidade da cidade, e não apenas devido à violência. Pessoalmente, preferia que o Manoel Carlos não matasse a personagem, mas tem que se respeitar a criatividade do autor.

TurisRio lamenta cena em momento de recuperação - A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Esther Kosowsky, se diz contra qualquer tipo de censura. Mas considera inapropriado o fim pensado por Manoel Carlos para Fernanda:

— Isso estigmatiza o Rio como uma cidade violenta.

O presidente da TurisRio, Sérgio Ricardo de Almeida, por sua vez, critica tanto Manoel Carlos por matar a personagem quanto a prefeitura pela polêmica. Ele argumenta que o Rio vive um momento especial, de recuperação da auto-estima, com a candidatura a sede das Olimpíadas de 2012. E coincide com os esforços oficiais para reforçar a imagem da cidade no exterior como opção para o turismo.

— Se o Manoel Carlos quer matar a Fernanda, que ela morra. Mas deslumbrada pelas belezas da cidade. Vale lembrar que essas mesmas cenas serão exibidas em breve, no exterior. Mas censurar a novela só vai causar mais polêmica — diz ele.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 89377