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Nova Consulta

Jornal/Revista: O Dia
Data de Publicação: 16/04/1989
Autor/Repórter: Ofélia Crim

NOVELA BOTA TODO MUNDO PRA DANÇAR

O dois pra lá, dois pra cá, que os atores praticam com maior ou menor freqüência nos bailes da vida, e a incursão de um ou outro ator nos jogos de capoeira não foram suficientes para livrá-los das aulas de dança de salão e do aprendizado genuíno da prática capoeirista procedente de Angola.

Para transporem o túnel do tempo entre os anos 20/30 e os anos 80 e recriarem com alma e graça a atmosfera boêmia da Praça Onze na época em que o Rio de Janeiro ainda era Distrito Federal, os artistas que vão participar da próxima novelo da TV Manchete vêm tendo aulas diárias de tango, maxixe, fox trote, charleston, samba-canção, capoeira e sinuca. Isto é: nem todos, mas apenas aqueles cujos personagens traduzem o clima do Grêmio Recreativo Familiar Kananga do Japão, que de familiar não teve nada e dá título e substância à história de Wilson Aguiar Filho, dirigida pela cineasta Tizuka Yamazaki.

BOAZINHA & BOAZUDA - Assim é que de nada valeram à atriz Elaine Cristina os seus muitos anos de balé clássico e dança moderna. Como seus colegas de elenco, ela estava no prédio da Bloch, na Rua Frei Caneca, aprendendo como anda, dança e senta a sua Lizette, vencedora há 5 anos com Alex, filho e lugar-tenente do presidente de honra da gafieira Kananga do Japão, de todos os concursos de dança.

"Nunca exigiram este lado meu nesses 27 anos de trabalho", comenta Elaine, que de boazinha na maioria das novelas de que participou passa à boazuda prostituta. "De fato, dessa vez o meu trabalho vai ser um prazer", completa divertida. Lizette, segundo ela, "tem vontade de viver intensamente a cada minuto, seja na cama ou na pista de dança'. E reflete que talvez a sua personagem seja, na verdade, uma feminista entre aspas. "Ela é inteligente, sabe de tudo que se passa ao lado dela. Seu comportamento não deixa de ser uma forma de agredir, ousar, fugir aos padrões das mulheres da época, que não tinham muitas alternativas: ou eram simples operárias, ou donas-de-casa, ou se prostituiam."

ELE AMANHÃ - O ator que vai fazer o papel de Alex ninguém ainda sabe quem é. Por isso, Elaine tem ensaiado bastante com o ator Ernesto Piccolo. Ele traz para compor a performance de seu Vado 4 anos de sapateado e mais 2 de jazz. Pela terceira vez ele interpreta um filho da atriz Rosamaria Murtinho. Volta e meia dorme com a empregado da família, Isaura, personagem da atriz Maria Alves. "Eu sou vidrado no malandro-mor Alex", conta ele. "Vivo no Kananga. Jogo bilhar, jogo capoeira, sei dançar, faço tudo. Tenho fixação no Alex. Quero ser ele amanhã", ironiza.

Vado só não consegue que Isaura lhe dê confiança fora do quartinho doméstico. No Kananga, onde é dançarina, ela só quer saber de homens mais experientes, definidos na vida, como o Caveirinha (Nélson Xavier), conta Maria Alves, outra figura do elenco que sempre dançou e na década de 70 chegou a namorar um dançarino de salão.

CAPOEIRISTAS - Antônio Pitanga é Ubirajara, um policial "não convicto",como ele diz. E torturador, jogador, capoeirista, dançarino, um bon-vivant. Traz para Kananga do Japão sua experiência como capoeira de O Pagador de Promessas, Barravento e Tenda dos Milagres. Mas considera fundamental esse retorno às aulas de Mestre Camisa (capoeira) e às aulas dos professores de dança Waldir de Matos e Sandra Regina.

- Joguei muita bola e com isso perdi muito da minha agilidade, porque o capoeira não deve ter músculo, só elasticidade. Senão ele perde a força do golpe. Estou me azeitando", define.

Nélson Xavier, o bicheiro Cavei-rinha, faz, "para variar" o fora-da-lei elegantíssimo, finíssimo. Sua maior preocupação atualmente é saber com Wilson Aguiar Filho se Caveirinha existiu mesmo, qual era a sua área de atuação, de domínio. Ele também já dançou de tudo, "menos maxixe e charleston", diz. "Todo mundo sempre me disse que eu danço bem, mas eu dançava instintivamente. Agora, estou botando os passos dentro da regra. O resto é um prazer." Sem exceção, o elenco está encantado com a possibilidade de ser dirigido por Tizuka Yamazaki, "mais uma amiga que uma diretora" nesta sua primeira novela, e faz a maior fé em Kananga do Japão, uma novela, segundo se acredita, "que inaugura na ficção a história brasileira".

OS PROFESSORES - Os responsáveis pelo êxito de toda a equipe na parte de dança são os professores Waldir de Matos e Sandra Regina. Eles, que desde o dia 30 de março acompanham os atores, garantem que "eles vieram bem maleáveis, não estavam muito duros, não". Waldir é dublê de Chico Anysio, ensina dança de salão na Escola Estadual Maria Olinewa e trabalha no ramo há 20 anos. À noite, funciona na escola um curso livre e, por apenas NCz$ 10 por mês, ele ensina todo e qualquer passo. O endereço da escola é Rua Visconde de Maranguape, 15 - Lapa - ao lado do Asa Branca. É bom ficar sabendo que ele é responsável, entre outros trabalhos, pelos belos resultados na dança de Memórias de um Gigolô, do filme Leila Diniz e da novela Carmem.

A copoeira está por conta de Mestre Camisa, um baiano que joga o jogo há quase 30 anos e mora no Rio há 17. Tem uma escola, o Centro Cultural Capoeirarte Senzala, que já formou capoeiristas no Brasil inteiro e no exterior. Mês que vem ele viaja para os Estados Unidos, onde vai demonstrar sua técnica para os gringos. "O brasileiro", ele diz, "tem muito preconceito, muita vergonha de sua própria cultura. A cultura estrangeira nos esmaga". Segundo Mestre Camisa, a capoeira mudou muito do começo do século para cá. Mas continua com todas as suas virtudes de desenvolver no indivíduo o seu equilíbrio, sua força, sua coordenação motora e o seu reflexo.

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 9145