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Jornal/Revista: O Estado de S. Paulo
Data de Publicação: 13/10/2003
Autor/Repórter: Luiz Carlos Merten

A VIDA COMO ELA É EM ‘MULHERES APAIXONADAS’

Homens assumem que gostavam da novela de Manoel Carlos e suas esposas também revelam que o segredo do autor é o romantismo das personagens que fazem tudo por amor

Média de 59 pontos na Grande São Paulo, share de 71% (a participação da Globo no universo dos televisores ligados). O último capítulo de Mulheres Apaixonadas, na sexta-feira, com direito a repetição no sábado, foi um grande sucesso e confirmou que a novela de Manoel Carlos realmente seduziu a massa de telespectadores. Na média, Mulheres Apaixonadas perdeu para O Clone, que fez 61 pontos no último capítulo, mas o share foi ligeiramente maior (o da trama de Glória Perez foi de 70%) e o número de aparelhos também aumentou nos últimos dois anos. Gostei, não gostei. O público pode ter prestigiado o último capítulo de Mulheres Apaixonadas, mas isso não quer dizer que todas as soluções propostas por Manoel Carlos foram deglutidas sem protesto. “Minha mulher ficou furiosa com a indefinição de certos personagens e com o que ocorreu com outros”, disse Antônio Padilha, de 63 anos, expositor na feira de artesanato da Praça da República, aos domingos.

Padilha gostou de Mulheres Apaixonadas porque acha que Manoel Carlos tem feeling para fazer merchandising social e tratar de assuntos polêmicos, integrando-os às suas tramas de uma forma que mexe com os espectadores sem ser agressiva nem sensacionalista. Mas ele discorda da mulher, que queria desfechos satisfatórios para todo mundo: “Por mais real que seja uma novela, não é a vida; a vida é isso aqui. Queria ser rico para não estar nesse estande, mas a verdade é que não posso me queixar. Tem muita gente pior do que eu.” Padilha viu a novela em casa. O marreteiro José Araújo, de 39 anos, viu no snooker que freqüenta com amigos. “A gente acerta o taco toda noite, antes de ir para casa. E não vou negar que muitas vezes parávamos com o jogo para prestar atenção na novela. O personagem que batia na mulher mexeu muito com a gente.”

Mexeu mesmo. Dan Stulbach, ótimo ator de teatro (Novas Diretrizes em Tempo de Paz) e cinema (Cronicamente Inviável), virou o astro da vez. Desconhecido do público, tornou tão convincente seu personagem antipático que virou uma das figuras mais populares (e polêmicas) de Mulheres Apaixonadas. A vilã Dóris foi outra que mexeu com o público, mas o desfecho que Manoel Carlos lhe reservou provocou indignação em Arthur Carneiro, de 42 anos. “Achei errado o que houve com ela. Apanhar daquele jeito do pai... E o cara ainda gritava que falhou na educação da filha. O que o Manoel Carlos quer dizer com isso: que quando a educação falha a solução é o porrete? Será que foi assim com a filha dele?”

Aderson Pereira Ribeiro Jr. – “Pode botar só Aderson Jr.” –, de 43 anos, assume-se como noveleiro. “Não perco uma novela das 8”, esclarece. “As outras, não, mas neste horário já estou em casa, vejo o Jornal Nacional e aí emendo com a novela, direto.” Gostou demais de Mulheres Apaixonadas, mas faz a ressalva de que sempre gosta das novelas de Manoel Carlos. “É o menos fantasioso dos autores da Globo; faz novelas sobre um universo muito próximo ao do espectador.” E Manoel Carlos, segundo Aderson Jr., tem uma sensibilidade toda especial para tornar palatáveis os assuntos desagradáveis. “A novela tem de ser um espelho da sociedade”, teoriza Aderson, que parou com as compras no Carrefour do Limão para se instalar diante das numerosas TVs que exibiam Mulheres Apaixonadas, na sexta à noite.

Debaixo do tapete – Ele até puxou uma cadeira, para ver o final com mais conforto. “Não dá para ficar escondendo a sujeira debaixo do tapete”, insiste. Mulher que apanha do marido, alcoolismo, homossexualismo feminino. “As cenas entre as duas mulheres foram muito legais; acho que seria chocante ver dois homens naquelas situações, mas, vamos ser francos, duas mulheres se roçando são excitantes de ver.” Aderson define-se como ‘fãzaço’ da atriz que era apaixonada pelo padre. Não se lembra do nome – é Lavínia Vlazak –, para ele, a mulher mais bonita da TV. “Minha mulher nem sabe disso, vai ficar surpresa; ela acha que eu gosto da Camila Pitanga, mas sou mais essa outra.” Célio Souza Ribeiro, de 34 anos, é outro que se define como fã de novela, em geral, e de Mulheres Apaixonadas, em particular. Também faz o tipo que emenda o Jornal Nacional com a novela das 8, que fica desta maneira integrada ao seu dia-a-dia.

“Acho que a primeira novela que me marcou, mesmo, foi a Tieta. Desde então, não perco uma.” Ribeiro diz que não tem nada a ver essa história de que homem não gosta de novela ou que novela é coisa de florzinha. “Quer um macho para opinar sobre Mulheres Apaixonadas? Achou...” Ribeiro já sabia mais ou menos o que ia ocorrer nos últimos capítulos. Poucas coisas o surpreenderam e, quando isso ocorreu, foi de forma negativa. “Não entendi porque o Manoel Carlos matou o Fred. O menino era gente fina, cuca legal, super do bem. O que ele queria dizer com isso? Que no mundo dos Marcos (o personagem de Stulbach) não há espaço para gente como o Fred? Achei um erro da parte dele.” Ribeiro até pensou que o Fred tinha morrido para evitar a ligação do garoto com a mulher mais velha, mas aí o Manoel Carlos tirou da manga aquele ás: “Ele deixou um filho nela; não sei nem quando fizeram...”

Telma Scramin França, de 34 anos, também estava no Carrefour do Limão com o marido. Ele não quis saber de dar entrevista, falando sobre novela. “Isso é assunto para ela”, disse Celso França, apontando a mulher. Ela observa, meio confidencialmente: “Em casa, ele vê, sim; não está vendo agora porque tem compras para fazer.” Telma posta-se diante da TV com os três filhos, uma menina e dois garotos, que formam uma escadinha de 13, 11 e 7 anos. Ela confessa o que a atrai nos enredos de Manoel Carlos: “É o apelo romântico. Tudo o que as personagens dele fazem é por amor.” Telma também não gostou da morte de Fred: “Desta vez, ele errou a mão.” Também não gostou da morte da Fernanda: “Para resolver o problema do pai com a criança me parece excessivo ter de matar a mãe. É deseducativo.”

Telma é fã de Tony Ramos. “Foi o melhor ator de Mulheres Apaixonadas.” E a atriz mais bonita? “Meu Deus, eram todas lindas, mas vou confessar que a mais bonita de todas, para mim, foi a Suzana Vieira. Com a idade dela, ser uma coroa enxuta daquele jeito não representa pouco. Veja que ela conseguiu fisgar o Gianechiiiiniiiii”, e ela carrega nos Is para prolongar o nome do bonitão da vez. Telma é pelos finais felizes. Esperava que a Dóris tomasse consciência da própria maldade e se regenerasse. Nem de longe pensava numa solução como a surra que a bad girl recebeu do pai.

A expectativa, agora, é pela nova novela, Celebridade, que começa hoje. Célio Souza Ribeiro sabe o que se pode esperar de Gilberto Braga. “Ele é bem diferente do Manoel Carlos; trabalha com um universo mais glamouroso, fantasia mais, mas também é muito bom – Dancing Days virou uma novela clássica.” E Celebridade terá Malu Mader, bela, jovem e sofisticada. “Não é a Cristhiane Torloni, que também é muito bonita, mas é madura, passa uma idéia de experiência maior, de mais sofrimento.” O taxista Carlos Antônio Oliveira Franco, de 40 anos, confessa que tem pouco tempo para ver novela. “Já tive mais.” Hoje em dia, dá duro 12, 13, 14 horas por dia. O pouco que viu de Mulheres Apaixonadas não o motivou muito. Mas na sexta, ao chegar em casa, ele tempo de ver o Globo Repórter especial, que lembrou grandes novelas.

“Era jovem quando vi Saramandaia e a novela me marcou muito com aquele cara que queria voar. Também gostei do Bem Amado, com o prefeito que não tinha morto para inaugurar o cemitério. Foi legal rever cenas de Irmãos Coragem, a primeira versão, com o Tarcísio Meira e a Glória Menezes. Janete Clair era uma grande autora”, diz Oliveira Franco. Antônio Padilha não tem muita saudade das velhas novelas. Faz uma observação interessante, que contextualiza o tipo de trabalho mais realista que Manoel Carlos faz. “Tem a ver com o momento que a gente vive. Na época da ditadura, havia censura e as novelas não podiam mostrar o Brasil real. Hoje, vão todos os problemas para a telenovela. Acho melhor que seja assim; a gente se diverte com os enredos de ficção, mas sabe que, no fundo, aquilo não é tão distante da realidade.”

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Fonte: Banco de Dados TV-Pesquisa - Documento número: 91579